Para desmascarar Casanova, Fellini transforma Veneza em cenário 

"O filme foi inteiramente rodado nas dependências de Cinecittá, Roma." A informação no fim dos créditos de abertura poderia ser irrelevante se a exuberante cena de abertura e a primeira parte de "Casanova" não fossem ambientadas em Veneza, a mais cenográfica cidade já construída. Lugar perfeito para luas de mel e inspiração para todos os clichês do romantismo, Veneza tornou-se destino sonhado muito antes de o turismo ser inventado.

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Não é essa a Veneza que Fellini buscava para cenário de seu retrato tão particular do compulsivo sedutor e protótipo do amante latino.

Assim como seus filmes transformaram Roma e Rimini em cidades fantásticas, localizadas no limbo entre a imaginação e o sonho no qual Fellini ergueu seu cinema impalpável, a Veneza de Casanova é cenário em vez de lugar.



Ela é o retruque de Fellini a Visconti, seu mais vistoso oponente no cinema italiano, que havia transformado a cidade em alegoria da decadência em "Morte em Veneza".

A água, elemento que faz de Veneza uma cidade tão única, reflete somente suas luzes na primeira imagem do filme. O recurso permite revelar, sem mostrar, um lugar improvável e anunciar as peripécias de um personagem cuja mitologia excede a existência. Casanova realiza a fantasia masculina de seduzir todas as mulheres do mundo, dá vida ao fantasma de uma sexualidade sem repressões.

Fellini dedica-se a desmascará-lo, mostrá-lo "como um homem incapaz de amar as mulheres porque ele é profundamente apaixonado por uma imagem fantasiosa das mulheres", segundo sua leitura do personagem.

Desde a primeira aparição de Casanova até sua última no fim da vida, ele aparece sob máscaras, com maquiagens e perucas que fazem de Donald Sutherland o antônimo do que acreditamos ser um sedutor.

Os artifícios se estendem a tudo mais, como o mar de plástico, a ponte de Rialto cenográfica e as águas congeladas do Grande Canal.

Dessa forma, Fellini arranca Veneza do alcance do viajante que a consome e, como grande ilusionista, devolve-a à irrealidade.

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