Do ponto de vista do cinéfilo brasileiro, grosso modo, o cinema argentino, pelo menos o que chega até nós, divide-se entre filmes de arte e filmes com Ricardo Darín.
Ator carismático, que tem um caso de amor com a câmera, Darín representa uma ideia de cinema comercial de prestígio que tem feito a glória da cinematografia argentina há pelo menos duas décadas, incluindo aí um Oscar de melhor filme estrangeiro que o Brasil nunca teve (o que alimenta competições absurdas).
Em "Kóblic", de Sebastián Borensztein, ele interpreta o personagem que dá nome ao filme, um piloto da Marinha que se recusa a abrir a porta do avião por onde seriam jogadas pessoas tidas como subversivas durante a ditadura militar argentina.
Estamos em 1977. Após desobedecer essa ordem, Kóblic é obrigado a fugir para uma cidade pequena e afastada da capital, despertando a curiosidade dos moradores, a paixão de Nancy (Inma Cuesta), dona de um posto comercial, e a desconfiança de um chefe de polícia local, o do comissário Velarde (Oscar Martínez).
A direção de Borensztein é mais segura que em "Um Conto Chinês" (2011), seu famoso longa anterior, protagonizado pelo mesmo Darín.
A câmera é muito bem pensada, executando movimentos precisos e envolvendo os personagens numa malha de suspeita e perigo. Quando está na mão, não balança como se estivesse num maremoto. Tudo está em discreta adequação ao drama de Kóblic.
Ou melhor: quase tudo. Um problema do filme é o maniqueísmo. O comissário Velarde é muito mau, sem qualquer nuance. Assim também é mostrado o companheiro da dona do posto: um homem grosseiro e violento que abusa dela sexualmente.
Não estamos num drama, mas num thriller. O gênero, de certo modo, permite certo maniqueísmo, desde que controlado. Mesmo assim, isso limita um pouco o valor do filme, além de nos fazer torcer por uma reação violenta do protagonista.
O fato é que Martínez está ótimo como o comissário. Sua composição não atenua o maniqueísmo estrutural do filme, mas faz de Velarde um vilão de peso, daqueles que permanecem um bom tempo em nossa memória. Não é pouca coisa.
Avaliação: bom
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