Eryk Rocha relembra momento de vanguarda do cinema brasileiro

Chega uma hora em que é preciso botar ordem na casa. É um pouco isso o que fez Eryk Rocha com "Cinema Novo": era preciso lembrar-nos de um momento em que o cinema brasileiro esteve na vanguarda estética e tecnológica; em que exerceu influência sobre as artes de boa parte do mundo.

Começando pelas ideias: como todo movimento (cinematográfico ou não), o cinema novo representa um momento de convergência entre vários jovens interessados em cinema. Pretendiam servir-se dos novos equipamentos leves para mostrar o Brasil real a partir de um olhar que não dependesse do modo clássico de fazer filmes (em estúdio etc.). Esse olhar era ligado às ideias de esquerda da época (virada dos anos 1950 e 1960): havia do comunista clássico (Leon Hirszman) ao muito heterodoxo Glauber.

Cena de “Deus e o Diabo na Terra do Sol” (1964), de Glauber Rocha, reproduzida no novo longa
Cena de “Deus e o Diabo na Terra do Sol” (1964), de Glauber Rocha, reproduzida no novo longa - Divulgação

Nisso foi fundamental o olhar novo sobre o modo de produção. Pode-se resumi-lo pela ideia de que um país pobre só pode produzir um cinema pobre. Daí o recurso frequente à luz natural, à câmera na mão. Fenômenos que, de resto, facilitaram a aproximação entre documental e ficcional.

Desde as primeiras imagens (personagens sempre correndo) percebe-se o sentido de urgência desses filmes. Como se a vida brasileira fosse uma eterna corrida por objetivos inalcançáveis. Pouco depois visitamos os precursores: Humberto Mauro (sobretudo) e Mario Peixoto (aliás, nunca reconhecido assim pelo cinema novo).

E, por fim, a figura magistral de Nelson Pereira dos Santos: aquele que destoou de tudo que se fazia no Brasil no começo dos anos 1950 e praticou um cinema abertamente marcado pelo neo-realismo e pelo prazer de filmar nas ruas, fora dos estúdios.

A ênfase do documentário é, quase sempre, nas imagens, não raro muito fortes. E, entre os personagens, não é de espantar o destaque a Glauber Rocha: é ele o mais original, explosivo e talentoso cineasta brasileiro de todos os tempos (e talvez o único a influenciar o cinema mundial até hoje).

O ponto polêmico do filme é, justamente, aquele em que Eryk foi mais pessoal: a incorporação ao movimento de nomes hostilizados à época pelos cineastas do núcleo central, como Walter Hugo Khouri e Luís Sérgio Person. Uma opção polêmica, como a lembrar que a história do cinema brasileiro ainda está por ser reescrita.

Avaliação: muito bom
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