Um empregado limpa a neve da entrada de um prédio, organiza os entulhos, conserta o vazamento no apartamento de um morador, desentope um banheiro enquanto entreouve a conversa lúbrica da cliente ao telefone. O conjunto de cenas que abre "Manchester à Beira-Mar" forma uma série desconectada, delineia o espaço, as situações, mas dá do personagem uma imagem apagada, um esboço.
A estratégia, incomum no cinema americano, faz da introdução do terceiro longa do dramaturgo e cineasta Kenneth Lonergan um instante que demanda atenção. Os fragmentos expostos pelo diretor e roteirista intrigam mais do que provocam simpatia ou repulsa.
Quem é Lee? Por que ele adota um comportamento arredio e agressivo? As questões se completam e orientam a trama. Mais do que isso, elas dão sentido à ideia de estudo de personagem, seguem o movimento narrativo do protagonista desde o passado, esclarecem os motivos que estão na origem de seu isolamento.
É essa atenção maior ao personagem do que às ações que distingue "Manchester à Beira-Mar" do melodrama banal sobre perdas pessoais, desamor e reconstrução.
Mesmo quando parte da resposta vem do passado, em flashback, ele surpreende pelo modo como desloca as expectativas. Uma cena de teor trágico, por exemplo, em que se revela uma doença letal, é pontuada por reações cômicas que traduzem a emoção de maneira mais complexa.
A interação forçada com o sobrinho Patrick a todo momento desloca Lee de seus pontos de ancoragem, criando situações que tornam o filme irônico ao mesmo tempo em que permanece doloroso.
A atuação de Casey Affleck, distante do molde do cinema de emoções escancaradas, também é fundamental para o efeito de opacidade. É ela que nos induz mais a observar as reações de Lee, tentar compreendê-lo mais do que sentir o mesmo que ele.
Se o recurso tende a esfriar o teor dramático, o vento gelado que sopra ali não deixa de ser bastante incômodo.
Avaliação: bom
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