Dia da Consciência Negra: dez espaços para se aprofundar na cultura afro

Entre os séculos 19 e 20, a região da Barra Funda era ponto de parada de uma linha ferroviária. Depois do expediente, os trabalhadores responsáveis por carregar e descarregar os trens —a maioria deles negros— se juntavam para batucar. Nascia assim, no Largo da Banana, o samba paulista.

O bairro do Bexiga, por sua vez, abrigou um dos maiores cortiços da cidade, o Navio Negreiro, e o quilombo urbano do Saracura.

Na Liberdade, famosa por ser reduto da comunidade japonesa na cidade, os escravos eram açoitados em um pelourinho.

As paisagens foram modificadas. E poucos são os sinais de que essas histórias aconteceram nesses lugares. No Dia da Consciência Negra (20), o "Guia" selecionou dez locais onde é possível conhecer e entender melhor o passado. São exemplos o terreiro Axé Ilê Obá, a Casa Mestre Ananias e o Samba da Vela, nos quais a cultura negra e afro-brasileira se manifesta por meio da religião, da arte, da dança e da música.


Segundo Marcos Virgílio da Silva, arquiteto e urbanista, intervenções do poder público consideradas melhorias urbanas obrigaram a população a se deslocar para outros lugares. "O descaso contribuiu para que se apagassem memórias não tão valorizadas. O resultado é que não sabemos quais lugares representam a cultura negra. A impressão é que São Paulo sempre foi povoada por europeus, e não é bem assim", completa.

Veja aqui mais de 30 atrações para comemorar o feriado. Entre elas, há show de Tássia Reis, exposição sobre Zumbi dos Palmares e mostra com filmes afrofuturistas, caso de "Space Is The Place". Crianças podem participar de oficinas de samba, capoeira e até de escrita criativa —esta inspirada na obra de Carolina Maria de Jesus (1914-1977).



Em exibição no Museu Afro Brasil, a mostra "Cartas ao Mar", do artista mineiro Eustáquio Neves —autor da imagem da capa desta edição do "Guia"—, mescla fotos de conhecidos e documentos de moradores de Valongo, zona portuário do Rio de Janeiro, porta de entrada para muitos escravos.

Como e quando surgiu a ideia do projeto?
Eustáquio Neves - Surgiu durante uma pesquisa de campo junto aos moradores e comerciantes da zona portuária do Rio de Janeiro, conhecida como Valongo, enquanto eu estava atendendo a um convite do Foto Rio. Usei como metáfora as garrafas com cartas lançadas ao mar na esperança de uma possível resposta. É uma forma de discutir esse lugar de memória, por onde entraram mais de 60% das mulheres e dos homens trazidos ao Brasil como escravos.

Crédito: Valéria Felix/Divulgação
O artista mineiro Eustáquio Neves

Quem são as pessoas das fotos?
Os retratados, além de mim, são amigos e algumas pessoas que foram personagens de um filme do cineasta pernambucano Marcelo Gomes rodado em Diamantina (MG).

Como é o seu processo de criação?
Eu não tenho um método para criar. Trabalho sempre com fotografia analógica mesclada com recursos de outras áreas, como pintura e artes gráficas.

Na abertura da exposição, o curador diz que "nunca se esquece do que dói". Você acha que a arte pode ajudar a cicatrizar essa ferida?
Acredito que a arte pode trazer uma boa reflexão e ajudar a conscientizar a nossa geração e as gerações futuras, para que possam entender e garantir seus direitos.

Museu Afro Brasil - pq. Ibirapuera - av. Pedro Álvares Cabral, s/nº, portão 10, tel. 3320-8900. Ter. a dom.: 10h às 17h (c/ permanência até as 18h). Até 3/1/2016. Livre. Ingr.: R$ 6 (sáb. e dia 20: grátis).


Academia Paulista de Letras
O jornalista, advogado e abolicionista Luiz Gonzaga Pinto da Gama (1830-1882) é o patrono da 15ª cadeira da Academia. A biblioteca do local acomoda cerca de 50 mil livros e revistas. De Gama, há "Primeiras Trovas Burlescas", que só é possível ler no espaço. Nascido em Salvador (BA), o autor foi vendido aos dez anos como escravo pelo seu pai para quitar uma dívida e alfabetizado apenas aos 17. Ouvinte de aulas de direito, atuou na defesa de escravos. Em 1864, com Ângelo Agostini, fundou o jornal ilustrado "Diabo Coxo".

Largo do Arouche, 312/324, região central, tel. 3331-7222. Seg. a sex.: 9h às 17h. Dia 20: fechado. GRÁTIS

Associação Cultural Cachuera!
O embrião do projeto surgiu a partir da pesquisa de músicas e danças da tradição oral brasileira. As manifestações afro-brasileiras no sudeste do país, como o jongo, receberam maior atenção. Hoje, o acervo abriga arquivos de som, vídeo e fotografias obtidos em ritos e festas, além de biblioteca (que fica na rua Bartira, 347). A associação sedia atrações teatrais, promove oficinas, cursos esporádicos e tem série fixa de música erudita. Na segunda (23), o Coletivo Negro apresenta "Revolver - Um Experimento Cênico". Já no sábado (28), há lançamento do livro "O Batuque de Umbigada de Tietê, Piracicaba e Capivari".

R. Mte. Alegre, 1.094, Perdizes, tel. 3801-1708. 100 pessoas. Seg. a sáb.: 20h às 23h. Dom.: 19h às 23h. Dia 20: fechado. GRÁTIS

Axé Ilê Obá
Um portão branco e uma escada dão acesso a um dos maiores terreiros de candomblé da cidade, o primeiro tombado de São Paulo. Em iorubá, o nome do lugar significa "A Força da Casa do Rei", e é comandada, desde agosto deste ano, por Mãe Paula de Yansã. Às quartas, sempre às 20h, ocorrem as giras, quando os médiuns incorporam as entidades Exú, Caboclo e Preto Velho. Em 5/12, haverá festa em comemoração às Yabás, orixás mulheres.

R. Azor Silva, 77, Vila Fachini, tel. 5558-2437. 300 pessoas. Qua. (25): 20h. Livre. Ingr.: um quilo de alimento não perecível.

Biblioteca Paulo Duarte - Cultura Afro-Brasileira
A biblioteca integra o Centro Cultural Jabaquara e tem vista para o Sítio da Ressaca. Imagens de nomes como Ruth Guimarães, Lima Barreto, Carolina de Jesus e Pixinguinha dão as boas-vindas aos leitores. As prateleiras do centro exibem itens do acervo temático e alguns livros ficam em destaque, caso de "Batuque, Samba e Macumba", de Cecília Meireles, e "Cem Anos da Revolta da Chibata", de Álvaro Pereira do Nascimento.

R. Arsênio Tavolieri, 45, Vila Parque Jabaquara, região sul, tel. 5011-8819. Seg. a sex.: 10h às 19h. Sáb.: 9h às 16h. GRÁTIS

Centro Cultural do Candomblé Pai Toninho de Xangô
Quem comanda o centro é o babalorixá Pai Toninho de Xangô. O salão da casa chama a atenção pela quantidade de adereços, como pinturas de orixás e escul-
turas. Jogos de búzios ocorrem de segunda a quinta. Além disso, há seis festas por ano, quando a casa recebe cerca de mil pessoas. A próxima será em 29/11.

R. do Bosque, 246, Barra Funda, tel. 3392-5583. Festa das Yabas, dom. (29): 18h. Livre. CC: M e V. GRÁTIS

Casa Mestre Ananias
Samba e capoeira são a essência da casa -que homenageia o capoeirista Mestre Ananias Ferreira. Às terças, é ele quem conduz, aos 90 anos, a roda de capoeira, tocando e cantando.
O espaço tem como objetivo a difusão de tradições baianas e da cultura popular brasileira. Promove também oficinas integradas de cerâmica, desenho e gravura, violão, cavaquinho e reciclagem. Neste sábado (21) e no domingo (22), violeiros de samba de roda se encontram no local.

R. Cons. Ramalho, 939, Bela Vista, região central, tel. 3926-0676. Seg. a qui.: 17h às 22h. GRÁTIS

Igreja do Rosário dos Homens Pretos
Foi construída em 1725 no largo do Rosário (atual praça Antônio Prado) pela Irmandade dos Homens Pretos de São Paulo para que a população negra tivesse
um templo religioso, já que não podia frequentar outras igrejas. No século 20, com a urbanização da cidade, foi demolida e construída no largo do Paissandu, em 1906. Em frente à igreja, a escultura "Mãe Preta" (1955) mostra uma ama de leite negra amamentando um bebê branco.

Lgo. do Paissandu, s/nº, região central, tel.: 3223-3611. Seg. a sex.: 7h às 19h. Dom.: 7h às 12h. GRÁTIS

Igreja Nossa Senhora da Boa Morte
Com detalhes em barroco e rococó, foi erguida em 1810, na época, em uma colina na entrada da cidade (hoje na rua do Carmo). Os sinos recepcionavam autoridades que chegavam de Santos e do Rio de Janeiro. Além disso, era também o destino dos negros antes de irem para forca, que ficava na praça da Liberdade, para uma última oração. É a primeira igreja 24h da cidade.

R. do Carmo, 202, Sé, tel.: 3101-6889. Seg. a dom.: 24 horas. GRÁTIS

Museu Afro Brasil
Reserve, no mínimo, uma hora para conhecer o riquíssimo acervo da instituição. São mais de 6.000 peças, entre objetos, pinturas e fotografias que permitem voltar no tempo e conhecer mais sobre as duas culturas que dão nome ao local -alguns itens são datados do século 15. Os seis núcleos englobam temas como escravidão, religiosidade e memória. É possível ver vestimentas de países como Costa do Marfim, máquinas de moer cana e até a carcaça de um navio negreiro.

Pq. Ibirapuera - av. Pedro Álvares Cabral, s/nº, portão 10, tel. 3320-8900. Ter. a dom.: 10h às 17h (c/ permanência até as 18h). Ingr.: R$ 6 (sáb. e dia 20: grátis). Estac. (sistema Zona Azul - no portão 3). Visita monitorada p/ 3320-8921 ou agendamento@museuafrobrasil.org.br.

Samba da Vela
"Acendeu a vela / o samba já vai começar / ela é quem chama", diz o samba que abre a noite da segunda (23), na Casa de Cultura de Santo Amaro. Há 15 anos, o Samba da Vela reúne músicos e ouvintes em volta de uma mesa, em cima da qual uma vela é queimada -o "relógio da apresentação"- para ouvir, exclusivamente, sambas de compositores da comunidade. Nesta segunda, será lançado um caderno com um repertório que contempla músicas para lembrar o Dia da Consciência Negra, caso de "Arte da Melancolia". O samba só termina quando a vela se apaga.

Casa de Cultura de Santo Amaro - pça. Dr. Francisco Ferreira Lopes, 434, Santo Amaro, região sul, tel. 94778-2001. Seg.: 20h30. Evento permanente. 120 min. Livre. Ingr.: R$ 5 (contribuição voluntária). GRÁTIS

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