Em dezembro, na votação do Melhores do Ano do "Guia", Rafael Castro contrariou expectativas e faturou o melhor show nacional de 2012 na escolha do público na internet.
Desbancou favoritos da nova geração e veteranos em um ano de grandes espetáculos de nomes como Criolo, Céu, a namorada Tulipa Ruiz, Chico Buarque e Gal Costa, sem falar nos populares Sandy, Gusttavo Lima e Michel Teló.
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Atração da primeira edição da festa AgressivA nesta sexta (dia 11), no Estúdio Emme, Castro carrega outras notoriedades, algumas inusitadas.
Aos 27 anos, já lançou nove álbuns autorais --o primeiro aos 21. O mais recente, "Lembra?", de 2012, marca a estreia no formato físico. Gravou todos os instrumentos em todos, quase sempre no estúdio que mantém em Lençóis Paulista, onde cresceu.
O paulistano é de riso fácil, principalmente para rir de si mesmo. "Uma vez fui gravar num estúdio incrível em Barra Bonita. Ficou muito chato. Eu pensava 'Nossa, eu canto mal, eu toco mal!'. Mas quando eu gravo em casa, meio de qualquer jeito, fica legal eu tocar e cantar mal."
Castro, que recebe no palco os cantores Pélico e Leo Cavalcanti e o músico Maurício Pereira, falou sobre o disco novo, a vida de músico, inspirações, amores e planos. Leia a seguir.
"GUIA": Em quanto tempo você escreveu o material do "Lembra?"
RAFAEL CASTRO: Comecei em meados de 2012. Estava à tôa escrevendo músicas, tudo muito disperso. Umas 20 ou 30. Pensei em fazer um disco triplo, alguma zoeira megalomaníaca. Mas, por outro lado, eu queria dar uma profissionalizada. A gente vinha lançando discos toda hora na internet e nenhum trabalho parecia ser levado a sério.
Percebi que nesse apanhadão de músicas, várias eram mais melancólicas. Foi quando me veio a ideia de uma playlist com uma pegada deprê.
Por que esse critério?
No geral, mesmo que achem o contrário, eu faço música para adolescentes. Tem senso de humor, histórias de amor --bem-sucedidas ou não--, noitadas, discussões sociais. E qualquer coisa que escreviam ou perguntavam sobre mim era "Ah, aquele cara engraçadão!". [risos] Me deu vontade de fazer algo que não fosse tão fácil de estigmatizar. Claro que o disco novo tem humor, alguma ironia, mas é um trabalho mais sóbrio, revoltado, angustiado.
E seu público captou essa sintonia?
É engraçado, eu converso com a Tulipa sobre isso... As pessoas gostam do som. Elas não percebem muito a onda, do que você está falando. É o som. A guitarrinha, o barulhinho, a hora em que a banda vai lá e pananananam.
Como você começou a se interessar por música?
Eu tenho uma irmã mais velha, e ela tinha um pianinho desses de parede. Eu ficava batendo ali, curtindo, o dia inteiro. Meu pai, que toca um violão de churrasco, me ensinou uns dó ré mi fá, uns "Barata na Careca do Vovô". Com cinco anos eu pedi para fazer aulas. Aí estudei piano até os dez. Depois mudei de cidade, fui para Lençóis [Paulista], e comecei a fuçar violão e guitarra.
E hoje? Ouve muita coisa?
Tem muita música para se ouvir. Acaba sendo como uma leitura dinâmica. Você não escuta lendo o encarte, com carinho... Imagino que o público também.
Um sentimento de dívida?
Muito. E de saudades. Eu ouvia discos com os caras da banda sem ninguém falar nada. Em silêncio. "Vamos ouvir o disco, beleza?" Colocava o vinil e ficava todo mundo lá, contemplando.
Que discos?
Vários do [David] Bowie e dos Kinks. E as coisas que mais gosto até hoje são esses caras, que a gente ouvia com atenção.
O que te inspira?
Os amigos e o contato com as pessoas em geral. Trocar ideias. Entre uma prosa e outra, alguma coisa que fica na cabeça. Eu levo muito para a canção o jeito que eu converso com os amigos. Sempre que escrevo algo que não parece real, eu apago.
No começo eu queria escrever bonito, melhorar na vida. Mas eu vi que estava piorando. Tenho que buscar o "eu". Quem sou eu? Todo mundo escreve bonito se aprender a escrever. Mas como eu escrevo? Qual o meu lance? Daí usar as mesmas linhas de raciocínio de uma prosa. Me sinto mais confortável.
E daí algumas letras terem um teor pesado ou sacana. É como eu falo. E acho que as pessoas que ouvem gostam justamente disso. É o jeito que elas falam, sem polimento. Às vezes a gente fala umas bostas, afinal. O disco trata de assuntos delicados, mas porque eram temas das conversas. Como a canção sobre a menininha com câncer. Pô, para pra pensar: que merda. Deus não existe, Deus não pode existir em um mundo com criancinhas com câncer. A gente conversava sobre essas coisas.
Até onde você iria para "vender mais, agradar mais, se falar mais" (como na canção homônima)?
A gente faria de tudo. Não sei até onde eu iria... Eu iria até o Faustão! [risos]
E se o Rick Bonadio te convidasse para gravar?
O que ele fez mesmo?
De Mamonas Assassinas a NX Zero e Restart.
E o Rodolfo e ET, né? Eu iria. No máximo não ia gostar. Seria preconceito não ir.
Eu penso mesmo em fazer um disco produzido por alguém. Não gosto de artistas que ficaram sempre na mesma. Acho legal a pessoa ter o direito de mudar. Bowie, Kinks, Beatles, Raul Seixas, até os novos, como Dirty Projectors, todos variam muito.
Tenho pensado em fazer um disco superpop em 2014. O contrário de tudo o que já rolou. Tenho algumas ideias, umas bases eletrônicas. Talvez eu chame o Rick. [risos]
Teme que isso te afaste de um público que precisa da repetição para entender?
Acho que não, porque quando você gosta de um artista, não é só do som. É dele também. O Caetano Veloso é um cara muito mutante. Acho que ele nunca perdeu ouvintes. Pelo contrário, ele agrega mais nichos a cada mudança.
Em quanto tempo gravou "Lembra?"?
Um ano e meio. Eu estava vindo mais para São Paulo e começando a namorar a Tulipa [Ruiz, cantora]... Mas cada música foi gravada em um dia: acordava de tarde e de noite já finalizava. Gravo primeiro o instrumento em que a música veio.
Ainda assim, os registros parecem ao vivo.
Acho que tem a ver com a filosofia do "take 1". Quando eu produzo outros caras eu fico preocupado, acertando tudo. O meu som, se eu arrumar muito, fica meio bobo. Eu sempre fui bem largado, sabe?
Uma vez, acho que em 2009, tinha um cara em Barra Bonita que tinha um estudião. Um ricáço que ia pra Europa todo ano para montar o Abbey Road em casa. Ele me convidou para ir lá gravar uns sons. Ficou muito chato. Bem chato. Eu pensava "Nossa, eu canto mal, eu toco mal, eu sou um bosta!". [risos] Fiquei deprimido. Quando eu gravo em casa, meio de qualquer jeito, parece que dá uma liga gostosa. Fica legal eu tocar mal e cantar mal. O hi-fi me estraga.
Primeiro letra ou harmonia?
Normalmente tudo junto. Se não estou fazendo nada, pego o violão, abro o bloco de notas e faço uma música.
No computador?
Tudo que lancei foi escrito no computador, nada manuscrito.
Os fãs não vão colecionar rascunhos das suas letras.
Nunca. [risos] No máximo um arquivo "modificado em" sei lá quando. E eu gosto muito de apagar. Faço e refaço bastante. Já tentei fazer isso à mão, mas dá preguiça de mudar o verso de tanta preguiça de escrever...
Tipo "Deixa essa droga aí...".
Isso. Vou cantar assim mesmo, tá "bão". [risos] E eu escrevo muito mal à mão. Fica uma rabisqueira maluca.
Como é conviver com uma cantora?
Já criamos juntos, e quando faço algo eu geralmente mostro pra ela, e ela também. A gente se critica, sugere, ajuda. No começo da relação parece que rola uma tristeza quando se diz ou se ouve que o outro não gostou. É algo que veio com o tempo.
O que mudou após ganhar o Melhores do Ano?
Quase nada. Talvez nos ajude a conseguir mais shows. Mas o engajamento das pessoas repercutiu bastante.
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