No novo 'Happy End', Haneke mostra retrato tépido de clã abastado francês



Quem conhece a filmografia do austríaco Michael Haneke sabe que o título de seu mais recente trabalho, "Happy End", só pode ser lido em chave irônica.

Premiado duas vezes com a Palma de Ouro em Cannes (por "A Fita Branca" e "Amor"), ele é um cirurgião da dor, dos tormentos humanos. Asséptico, seu bisturi perfura a camada da máscara social para revolver recalques sexuais, pulsões de violência, a crueldade inata.

Em seu rol de obsessões também se encontram o voyeurismo mediado pela tecnologia (da câmera amadora de "O Vídeo de Benny" à lente de celular e às telas de mídias sociais deste "Happy End"), as relações de classe inflamáveis e a iminência da morte para não falar da maior atriz de cinema em atividade hoje, a francesa Isabelle Huppert.

Todas elas batem ponto na nova produção, apresentada em maio, em Cannes. Desta vez, a crítica se dividiu; enquanto a anglófona saudou o olhar clínico do diretor sobre o ethos burguês, a francesa desancou o que viu como "piloto automático" e "pane criativa".


Depois de atravessar os 107 minutos desse retrato tépido, soporífero de um clã abastado do norte francês, este jornalista não pode deixar de se alinhar à segunda ala.

Na trama, Anne Laurent (Huppert) e seu irmão, Thomas (Mathieu Kassovitz), tentam manter de pé a empreiteira fundada pelo patriarca Georges (Jean-Louis Trintignant) após um grave acidente em um canteiro de obras.

Paralelamente, ela tenta emplacar o filho, Pierre, como sucessor à frente da empresa. Já Thomas se divide entre chats libertinos e a guarda de uma filha esquiva.

O diretor se despe aqui do sadismo que habitualmente reserva a seus personagens. Não há via-crúcis lacerante, suplício levado ao paroxismo por uma reviravolta chocante. Por uma vez, o cineasta poupa o espectador do punhal que costuma cravar na empatia.

Mas, pecado dos pecados (para retomar o imaginário cristão), Haneke se mostra incapaz de olhar para fora da bolha de agruras psíquicas dos Laurent. Numa intriga que se passa em Calais, onde milhares de migrantes erguem acampamentos miseráveis enquanto aguardam a chance de fugir para a Inglaterra, esses surgem como peça decorativa, no clímax do filme, como penetras de uma festa. Triste fim.

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