Conheça a história da Autobahn, festa dos anos 1980 que acontece há três décadas em SP
Balada que reúne cerca de 450 pessoas toda semana já recebeu integrantes do Human League
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Do alto de uma cabine com luzes de LED coloridas, Marcos Vicente, o DJ da festa Autobahn, tira da parede um quadro com a capa de "Substance", coletânea lançada em 1987 pelo New Order, e o transforma em um baixo imaginário ao som do clássico da banda, "Blue Monday".
Pregada ao lado de vinis do A-Ha, Pet Shop Boys e Information Society, que decoram o fundo do palco, o objeto com a capa da banda tem lugar de destaque. "Vocês já sabem: é a melhor banda do mundo", Vicente diz no microfone, sem esconder a preferência pelo grupo inglês que o inspirou a criar uma festa temática e itinerante numa época em que os clubes reinavam em São Paulo.
Era 1993 e o DJ de 19 anos que se dedicava ao repertório da década que havia chegado ao fim já sentia o impacto dos gêneros que começavam a atropelar os sintetizadores que guiavam seus sets.
"É natural uma década negar a anterior para existir. A disco dos anos 1970 negava o rock dos 1960, aí veio a new wave negando o som de antes. Nos anos 1990 chegou o grunge, negando a música eletrônica. E no Brasil ainda tinha a lambada e o sertanejo", diz.
Não demorou para que a noite se rendesse ao gênero criado no Norte do país, e o lugar onde ele era DJ residente logo foi vendido para um grupo de lambada. "Eu decidi que queria montar um projeto para manter viva a cultura dos anos 1980, e os frequentadores também sentiam que não dava para se adaptar ao que estava na moda", diz.
Ele, então, se reuniu com uma dezena de baladeiros assíduos e bateu por cinco meses em portas de casas paulistanas com a ideia de uma festa que dobraria o público do lugar em troca da liberdade para um evento nos moldes que queria. "Foi difícil no começo, mas a gente conseguiu provar que dava. Nesse ritmo rodamos por 19 casas nos últimos 31 anos", conta.
A reputação criada pela noite contribuiu para a liberdade dos produtores. "Serviam cerveja quente ou aumentavam o preço e a gente logo procurava outro lugar. A ideia foi sempre ouvir o público, nosso maior patrimônio".
É esse público, descrito por Vicente como "70% feito de pessoas entre 40 e 55 anos", que dança nas madrugadas de sábado para domingo com os olhos atipicamente vidrados na cabine de DJs da casa que sedia a festa em Perdizes.
O lugar tem um equipamento de luz original da década e é decorado com itens que remetem a ela, como uma sala com Atari e fliperama em funcionamento e um armário com itens colecionáveis.
Os drinques levam nomes de bandas e músicas —quem quiser beber um Madonna, por exemplo, é servido com uma mistura de vodca, licor de pêssego, suco de laranja e grenadine, e paga R$ 32.
Ao longo da noite, os frequentadores ganham prêmios quando provam que sabem cantar a música, aparecem com camisetas estilizadas com o nome da festa e fazem passinhos da época. Se derem sorte, são chamados para discotecar por meia hora para as cerca de 450 pessoas que batem ponto nas edições.
A fidelidade do público dá uma sensação quase familiar à noite. "A galera vai sábado, mas acaba saindo na sexta para comer pizza, fazem amizade. Ouço muito que o Autobahn não é uma balada clássica, de pegação, mas uma festa na casa de amigos".
Vicente diz que, ao longo dos anos, o público foi turbinado por uma fatia de frequentadores mais nova, que não viveu a noite dos anos 1980 mas gosta das músicas. Mais interessados também chegam sempre que algum filme ou série que se passa na década é lançado ou que músicas se tornam trends no Tiktok.
"Se eu tocar uma música que rolou em ‘Stranger Things’ ou ‘Smalltown Boy’ do Bronski Beat, que virou moda há pouco tempo, percebo a movimentação na pista. O povo está curtindo sentado e, na hora das músicas, corre para a pista", diz Vicente.
Esse é parte do segredo para a longevidade do Autobahn, que nasceu indo contra a renovação rápida da noite por se restringir a apenas uma década de canções.
Embora tenham suas faixas obrigatórias —a terceira música da noite é sempre "Don’t You (Forget About Me)", do Simple Minds— os DJs se viram para esticar o repertório com sucessos que voltam à moda, b-sides, faixas de ‘one-hit wonders’ e hits esquecidos que cutucam a nostalgia do público. "Você acaba tocando em memórias da infância, do primeiro beijo, da primeira balada".
Vicente também vê a limitação temporal como trunfo de sua criação. "O Kid Vinil, que tocou com a gente durante 15 anos, falava que o Autobahn é o único lugar onde você nunca vai ser traído musicalmente. Você vai e sabe exatamente o que vai tocar".
O roqueiro, aliás, não é o único representante da classe artística a fazer parte da história do projeto. Marcelo Nova, Leo Jaime, Fê Lemos e Fernando Deluqui já assumiram o comando musical da festa, que também viu alguns de seus momentos mais marcantes com músicos internacionais que passaram por lá.
"A noite mais importante das nossas vidas aconteceu no dia 24 de setembro de 2005, quando os cinco membros do Human League curtiram a festa até as cinco da manhã e o Phil Oakey tocou como DJ convidado", lembra Vicente. "Eles fizeram show em um festival de música antes, no Anhembi, e o público não fez tanto barulho. Quando tocaram na festa, todo mundo cantou as músicas muito mais alto".
Sempre ao lado da cabine de uma das festas mais longevas de São Paulo, uma imagem de São Judas Tadeu acompanha o DJ há anos em cima de um enorme cubo mágico. "É o padroeiro das causas impossíveis. São 31 anos, né? Não é fácil, só com a ajuda dele mesmo."
Autobahn
R. Turiassu, 806, Perdizes, Instagram @autobahn_anos80. Todo sábado, às 22h. Ingressos: R$ 38 (com nome na lista pelo site anos80.com.br) ou R$ 80 sem lista