Crítica: retrospectiva de Tarkóvski ultrapassa limites do fetichismo

O hábito de ver filmes em casa tornou-se tão predominante que enfrentar filas para assistir no cinema a obras que já saíram em DVD pode parecer um programa restrito aos cinéfilos.

A retrospectiva na 36ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo --com 11 filmes de Andrei Tarkóvski mais seis documentários sobre a vida e a obra do cineasta russo-- ultrapassa, no entanto, os limites do fetichismo.

Crédito: Divulgação "Andrei Rublev" (foto), de Andrei Tarkóvski, é um dos filmes em cartaz na Mostra Internacional

O maior e mais importante motivo encontra-se na elaboração visual e no ritmo absolutamente particular dos filmes, cuja experiência só acontece nas condições de projeção e imersão de uma sala de cinema.

Outra vantagem da retrospectiva é poder, intensivamente, mergulhar na construção e na transformação da obra, reconhecer seus motivos centrais e descobrir como temas e obsessões formais são criados e retrabalhados ao longo dos filmes.

O apocalipse, por exemplo, é um tema que ganha formulações recorrentes, das mais individuais às universais, de "A Infância de Ivan" até "O Sacrifício". Já a função singular do artista e, sobretudo, a resistência espiritual da arte num mundo movido por forças materiais são questões que Tarkóvski formula em "Andrei Rublev" e retoma em "Nostalgia".

Mais impressionante que o tratamento filosófico desses motivos é a invenção de uma forma que o cineasta aprofundou. O peso sensorial dos elementos naturais, o efeito hipnótico dos quase imperceptíveis movimentos de câmera e a inspiração pictórica nos filmes em cores e da luz nos PB ou nas cenas monocromáticas servem de passaporte para um cinema-sonho no qual pagamos para entrar e rezamos para não sair.

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