'A Filha' se inspira em Ibsen, mas é apenas melodrama comum

a filha  *** ****
Geoffrey Rush (à direita) interpreta Henry, o pai que se casa com uma mulher mais nova - Divulgação

Sabe aquele tipo de filme que, se já estivesse disponível na Netflix, a gente daria uma olhada e desistiria antes da metade? "A Filha" é só mais um desses títulos genéricos que ajudam a engordar catálogo. Nada justifica sua exibição nos cinemas, que agora mal permitem a descoberta das estreias relevantes.

Trata-se de uma produção australiana assinada por Simon Stone, 32, jovem ator em sua primeira experiência na direção de um longa. Sem medo de perigos, Stone propõe uma livre adaptação de O Pato Selvagem, de Henrik Ibsen (1828-1906), texto que havia encenado no teatro em 2011.

O diretor em busca de originalidade faz, no entanto, duas escolhas para se destacar da reputação asfixiante de Ibsen: transpõe o contexto para uma pequena cidade australiana e atualiza a trama com uma breve referência ao desemprego global.

Com isso, a proposta busca uma comunicação mais imediata com o público contemporâneo sem deixar de atrair os que se encantam pela nobreza da assinatura de um autor célebre.

Essa tomada de distância, contudo, ameniza a ferocidade com que o dramaturgo norueguês representou os guardiões da moral, sua crítica da hipocrisia e sua representação da condição feminina num mundo de regras masculinas.

Ao resumir o drama à trama, o filme não dá conta desse esvaziamento e se converte em um melodrama comum, ignorando a capacidade dos bons filmes desse gênero de expor as entranhas das relações e da sociedade.

Em vez de serem confrontados com os valores que encarnam, os personagens de "A Filha" somente possuem dimensões psicológicas, que se manifestam na forma de desejo sexual, ressentimentos e ciúmes.

Esse reducionismo obriga o filme a depender demais da competência desigual de seus atores. Assim como recorre a Ibsen para se autenticar, "A Filha" escala Geoffrey Rush e Sam Neill para os personagens de poder, mas os transforma em meros adereços.

Paul Schneider, como o filho revoltado, e Ewen Leslie, no papel do amigo enganado, impõem empatia enquanto seus personagens são esboçados, assim como Miranda Otto e Odessa Young nos papéis femininos postos à prova pelo destino.

Mas a sobrecarga emocional do desenlace é solucionada com interpretações constrangedoras, com cenas de desespero falsas até em novela. A responsabilidade pelo fracasso não é tanto do elenco, e sim do diretor, que acredita ser o que não é.

Avaliação: ruim
Veja salas e horários de exibição. 

Comentários

Ver todos os comentários Comentar esta reportagem

Últimas

Ver mais