Quando Francis Ford Coppola bandeou-se para as Filipinas com a mulher, os três filhos (Sofia, a futura diretora de "Encontros e Desencontros", tinha quatro anos) e um roteiro cujo final o desagradava, em 1976, as filmagens de "Apocalypse Now" estavam planejadas para durar 16 semanas.
Uma troca de protagonista (Harvey Keitel por Martin Sheen), um furacão, um ataque cardíaco (de Sheen), um colapso nervoso (de Coppola), um astro que ameaçou não aparecer (Marlon Brando) e dezenas de problemas diários depois, as filmagens consumiram 34 semanas (sem contar dois meses de intervalo).
Na época, a imprensa de Hollywood se encarregou, com trocadilhos em manchetes, de fazer o que hoje cabe aos memes das redes sociais. "Apocalypse When?" (apocalipse quando?) , perguntava uma delas. A resposta mais adequada teria sido "Now and Ever", agora e sempre.
Sim, porque a megalomaníaca e delirante aventura de Coppola na selva não termina jamais, como demonstra o pacote que o serviço de streaming Belas Artes à la Carte lança nesta quarta-feira, com "Apocalypse Now: Final Cut" e dois documentários sobre as filmagens.
A primeira versão de "Apocalypse Now" foi a cópia de trabalho ("work in progress") que disputou a mostra competitiva do Festival de Cannes, em maio de 1979. Coppola recebeu a Palma de Ouro de melhor filme (dividida com "O Tambor", de Volker Schlöndorff), prêmio que ele já havia obtido por "A Conversação" (1974).
As cópias que chegaram aos cinemas, em agosto daquele ano, compactaram as 230 horas de material filmado em 144 minutos. "Transitar por esse universo era como avançar lentamente por uma floresta densa", conta um dos responsáveis pela proeza, o montador Walter Murch, no livro "Num Piscar de Olhos".
Em maio de 2001, "Apocalyse Now Redux", estreou no Festival de Cannes. Tinha 197 minutos e recuperava sequências inteiramente descartadas em 1979, como a passagem do capitão Willard (Sheen) pela fazenda francesa protegida por milicianos -- trecho de que Coppola não gostava.
A restauração digital dos negativos originais deu origem a "Apocalypse Now: Final Cut" (corte final), lançado nos cinemas e em Blu-ray em agosto de 2019, com "apenas" 183 minutos. É a versão que Coppola, então com 80 anos, quis estabelecer como a definitiva.
A abertura icônica ao som de "The End", da banda The Doors, e o final que evoca as palavras do "primeiro sussurro de um vento que chega" ("o horror, o horror"), vindas do romance "O Coração das Trevas", de Joseph Conrad, e balbuciadas pelo coronel Kurtz (Brando), continuam lá.
Entre essas duas sequências, o tempo estendido de "Final Cut" atribui intensidade ainda mais perturbadora à visão da Guerra do Vietnã como jornada à "zona obscura" ("twilight zone", em referência também ao título original da série clássica de TV "Além da Imaginação") dos EUA, segundo Coppola.
Os documentários levam o espectador a outra guerra, a das filmagens, em que oficiais graduados -- como o diretor de fotografia Vittorio Storaro e o desenhista de produção Dean Tavoularis -- e centenas de recrutas estavam sob o comando de um general megalomaníaco (Coppola) que reproduziu nas Filipinas o modus operandi imperalista americano no Vietnã.
Rodado pela mulher do diretor, Eleanor, o longa "Apocalipse de um Cineasta" (1991) oferece a perspectiva da ponte de comando. É um espetacular "making-of", concebido para registrar um novo triunfo do mago de "O Poderoso Chefão", mas que por bem pouco não se torna a crônica de um desvario inacabado.
Já o curta "Dutch Angle: Fotografando Apocalypse Now" (2019), de Baris Azman, representa um complemento valioso ao recuperar a participação do holandês Chas Gerretesen como o fotógrafo de set. Observador atento, sensível ao jogo hollywoodiano de egos e vaidades, ele faz um relato equivalente ao de um espião infiltrado nas tropas de Coppola, com indiscrições deliciosas, em especial, sobre a presença breve, espaçosa e narcisista de Brando no front das filmagens.
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