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Cinema

'Marte Um' promete mais do que cumpre ao costurar Brasil conservador, feminismo e racismo

Primeiro longa de Gabriel Martins, premiado em Gramado, fica entre a realização e a frustração

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Marte Um

Avaliação: Regular
  • Quando: Estreia nos cinemas nesta quinta (25)
  • Classificação: 16 anos
  • Elenco: Cícero Lucas, Carlos Francisco, Camilla Damião
  • Produção: Brasil, 2022
  • Direção: Gabriel Martins

Em "Marte Um", seu primeiro longa solo, Gabriel Martins exibe algumas das virtudes que seus trabalhos anteriores já apresentavam. A situação central é um bom exemplo de sua sensibilidade: um jovem pré-adolescente sonha em ser astrofísico e participar da primeira viagem de colonização de Marte, programada para 2030. O pai, no entanto, tem outras aspirações e entende que ele precisa aproveitar seu talento de futebolista para jogar num grande time.

Cena do filme 'Marte Um', de Gabriel Martins - Divulgação

Estamos diante de uma família da baixa classe média, presumivelmente de Contagem, em Minas Gerais, de onde vem a produtora Filmes de Plástico, hoje uma das principais do país. A família é formada por Tércia, a mãe, que se dedica a afazeres domésticos; Wellington, o pai, porteiro de um condomínio; Eunice, a irmã do rapaz, que se mostra razoavelmente feminista; e, por fim, Deivinho, o filho que sonha com outros mundos.

À premissa é acrescentada a constatação (discreta, felizmente) de que o país é o atual, nas mãos de dirigentes conservadores. O que de melhor poderia pensar o menino senão em viver em outro mundo? Eunice é mais velha e mais independente. Não faz discurso feminista, apenas pergunta à mãe por que ela não ensina Deivinho a fazer tarefas domésticas. Pouco depois, começa a namorar outra moça, Joana.

Pode-se pensar nos 1.001 filmes, novelas e seriados que exploram situações semelhantes, mas veremos que Martins conduz o feminismo da jovem com tato e inteligência.

Em princípio, temos assim uma situação política que limita os sonhos de pessoas razoavelmente pobres e, ao mesmo tempo, um conflito de sensibilidades e costumes entre a geração dos pais e a dos filhos —também tratado com discrição, como parte da vida, não como dramalhão estéril.

Se, apesar de todas essas virtudes, é difícil aderir de todo ao filme, isso se explica, ao menos em parte, ao fato de ser esse o primeiro longa do diretor. O primeiro e mais evidente item diz respeito ao velho preceito segundo o qual diretores não deveriam montar o próprio filme, pois há a perigosa tendência a se apaixonar por cenas ou planos que não fazem bem à narrativa.

Se "Marte Um", que foi premiado no Festival de Gramado, estivesse nas mãos de montadoras como Cristina Amaral ou Idê Lacreta, por exemplo, não acredito que tivessem sobrevivido as sequências entre a mãe e um anão gay. Não são ruins, mas simplesmente não servem à história.

Há diversos momentos como esse, a sugerir que, quando se afasta do registro narrativo, o filme tende à dispersão. Esse caráter se acentua em certos pontos.

É o caso da primeira visita da namorada de Eunice aos futuros sogros, coisa em si embaraçosa. Prepara-se um clima de incompreensão ao romance entre as duas moças, mas isso simplesmente é soterrado pela rivalidade entre Cruzeiro, time do pai fanático, e Atlético-MG, clube para o qual a nova namorada torce.

Para onde Martins queria levar a sequência? Isso não fica claro. Talvez a comemoração de um gol, ali, na cara do sogro, seja o sinal da vitória do amor entre as jovens sobre a resistência paterna. Ainda assim, a solução é pouco convincente.

Os cineastas da Filmes de Plástico, da esq. para a dir., Thiago Macêdo Correia, Maurílio Martins, Gabriel Martins e André Novais Oliveira - Divulgação

Por outro lado, "Marte Um" tem a qualidade de reforçar a tendência do grupo de Contagem a fazer um cinema que mostre a vida de pessoas negras sem fazer disso ativismo. O assunto está lá. Basta ver a maneira como o pai é tratado quando, a horas tantas, perde o emprego —o que escancara como essa população e as classes sociais mais baixas são tratadas no Brasil.

O filme traz à cena uma sensibilidade cinematográfica certa, mas ainda não inteiramente consolidada. Martins fica num meio caminho, entre a plena realização que se anuncia por vezes e uma certa frustração diante de um projeto que promete mais do que cumpre.