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Bexiga retoma aos poucos sua normalidade vibrante no centro de São Paulo

Teatros, bares de samba e cantinas marcam o tradicional reduto cultural e boêmio

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São Paulo

Nem a pandemia fez o Bexiga esquecer o charme de sua tradição. O bairro boêmio, aos poucos, retoma sua normalidade vibrante. Bares, restaurantes e teatros gradualmente voltam a receber o público. As mesas começam a dominar as calçadas, em especial na rua 13 de Maio, que em dias de sambão é invadida por pessoas ávidas por curtir a noite paulistana. Tudo quase em frente à santidade da paróquia Nossa Senhora Achiropita. Na outra ponta, porém, o rock'n'roll ainda predomina.

Região com cara de subúrbio, no coração de São Paulo, no bairro da Bela Vista, o Bexiga é o "umbigo dos teatros" segundo José Celso Martinez Corrêa, de 84 anos, diretor do Teatro Oficina, espaço na rua Jaceguai que voltou a ter peças presenciais em outubro. "O Bexiga virou o bairro dos teatros. Aqui começou o TBC [Teatro Brasileiro de Comédia] na Major Diogo, tem ainda o Maria Della Costa, o Sérgio Cardoso, Ruth Escobar, Oficina e tantos outros. Virou uma floresta de teatros."

Mais conhecido como Zé Celso, o diretor é de Araraquara, no interior de São Paulo, e já frequentava a Bela Vista desde seu primeiro ano de vida. "Eu vinha para o Bexiga na casa dos meus avós, que moravam em frente ao [onde hoje é] Teatro Oficina. E já tinha teatros espetaculares."

E a tradição do Bexiga ganhou novo capítulo em setembro, quando a centenária Vila Itororó, outrora residência de imigrantes, foi aberta ao público após uma parte da área histórica —que ainda tem ruínas muito charmosas— ser restaurada. Uma iluminação cênica artística e permanente de Ligia Chaim, moradora do bairro, também deu mais charme ao lugar que hoje oferece atividades que vão de teatro e cinema ao ar livre a oficinas.

"Reavivou o local que ficou muito tempo parado. Trouxe vida. Mas ainda estamos planejando o retorno de atividades que atraiam, também, os ex-moradores da vila", afirma o auxiliar administrativo Edivaldo Santos, de 46 anos, que, por quatro anos, viveu em uma das casas na Vila Itororó com a família. Ele descreve o período como tempos de "liberdade".

Porém, o clima de festa na rua que sempre acompanhou a região contrasta com o ritmo lento imposto desde março do ano passado pela pandemia, que forçou o fechamento do comércio e deixou a região vazia.

O teatro Sérgio Cardoso, inclusive, completou 40 anos, em outubro do ano passado, de portas fechadas. E, na entrada daquele teatro, não é mais possível comprar pipocas de Severino João de Lima, o seu Severino —que ficou nacionalmente conhecido como o pipoqueiro das estrelas por trabalhar por décadas naquele mesmo lugar e vender pipocas a famosos e anônimos com a mesma alegria. Ele morreu aos 64 anos, vítima da Covid-19.

Nesse meio tempo, comerciantes lutam para manter seus negócios. A empresária Nina Pauline Knutson, de 32 anos, trabalha em casa muito antes da era do home office. É de lá, da rua Santo Antônio, que ela está a frente da Casa & Bottega, projeto de jantares em domicílio que completa 15 anos em dezembro, e da Pane & Dolce, de venda dos produtos artesanais —ao lado da mãe, Mariella Miano, e da irmã, Maria Josephine. E elas também, em ritmo lento e cauteloso, retomam as atividades.

"Tivemos que mudar nosso sistema de trabalho e passamos a fazer entregas de bicicleta ou a pé mesmo", conta Knutson.

No fim do mês, Knutson e a família farão um jantar para um grupo já fechado de 12 pessoas, como teste para abrir seus serviços ao público em geral em dezembro. "Servimos entradinhas, um prato do dia e uns drinques inusitados. Já chegamos a ter 40, 80 pessoas aqui em casa para nossos jantares. O serviço custa, em média, R$ 50", conta.

As famosas cantinas e pizzarias já funcionam a todo vapor há algumas semanas, mas o público ainda não chegou ao volume de antes da pandemia, segundo Solang Taverna, de 63 anos, proprietária da Conchetta, restaurante inaugurado por seu pai, Walter Taverna, de 89 anos, há quase 50 anos, na rua 13 de Maio. "Apesar de a casa funcionar com 100% da capacidade, o ritmo de clientes não é mais o mesmo. O público chega até umas 22h, atualmente. Antes vinha gente bem mais tarde."

Taverna afirma que o tíquete médio era de R$ 115 em um jantar. Mas esse valor, hoje em dia, caiu para cerca de R$ 55. "Tivemos que adaptar nossos valores." Outra adaptação foi sua equipe, reduzida de 18 funcionários para apenas cinco.

Ela conta que seu pai era muito ativo antes do isolamento, mas que, nos últimos meses, teve afetada sua saúde física e psicológica. "Ele adorava conversar com os clientes, com a vizinhança, de fazer aquela bagunça boa de bater os pratos. Ele não parava. Agora ele fica muito tempo dentro de casa. Por isso vamos trazer ele para o Centro de Memória do Bixiga, que fica em frente à cantina, para ele ficar na janela vendo o movimento." Walter Taverna é, aliás, um dos criadores do tradicional bolo de aniversário de São Paulo, servido, é claro, no Bexiga, e que teve versão virtual neste ano.

Apesar do retorno lento e gradual, muitos comerciantes não aguentaram as pontas e tiveram de fechar definitivamente. Hoje quem caminha pelas charmosas ruas com suas casinhas coloridas vai se deparar com muitas placas de "aluga-se" ou "vende-se". Houve baixas no bairro –as cantinas Bixiga Amore Mio, Gran Roma, Montechiaro; a Casa Jardim Secreto se mudou para a Santa Cecília; e o Central Panelaço, agora, só com delivery.

Até a poderosa Vai-Vai, que por 50 anos invadiu as ruas de alegria com seus ensaios semanais, não está mais ali na rua São Vicente. A quadra foi parcialmente destruída e o famoso letreiro com o nome da escola de samba, que também servia como um palco, foi retirado. Tudo isso para dar lugar às obras da linha 6-laranja do Metrô, mais especificamente a futura estação 14 Bis. A saída da agremiação nada tem a ver com a pandemia, mas aconteceu em um período de muita sensibilidade, em meio ao isolamento social.

Fachada da antiga sede da Vai-Vai, que deverá ser demolida para a construção da estação Praça 14 Bis da linha 6-Laranja do Metrô - Rivaldo Gomes/Folhapress

As perdas não foram só materiais. Pessoas também deixaram de circular pelo tradicional reduto de sambistas. "Perdemos muitos integrantes para a Covid-19, praticamente em todas as alas houve uma fatalidade, em especial na Velha Guarda. Eram pessoas muito queridas, foi muito difícil. Fomos uma das agremiações que mais teve mortes para essa doença", afirma Luís Paulo Miranda, o Cabral, de 46 anos, diretor de comunicação da Vai-Vai.

Cabral conta que, mesmo na fase mais aguda da crise, porém, a solidariedade prevaleceu. "Continuamos com nosso trabalho social de sempre, com a entrega de cestas básicas, mas a ação foi potencializada na pandemia. Outras escolas de samba também ajudaram com doações. A pandemia não nos impediu de estar na linha de frente da assistência social", afirma Cabral.

Zé Celso destaca uma característica da região. "Bexiga é muito forte nas relações pessoais, até hoje. A pandemia prejudicou muito, mas está havendo um renascimento do bairro já com características contemporâneas, com mais negros, restaurantes árabes, palestinos, não só italianos. Isso significa que estão vindo muitas culturas para o Bexiga", afirma o diretor que sempre morou no bairro, mas atualmente vive no Paraíso. "E tem umas padarias maravilhosas", completa.

Zé Celso travou batalha contra o Grupo Silvio Santos na Justiça para evitar a construção de três torres em frente a seu Teatro Oficina e, ainda, defendeu a criação do parque Bixiga no lugar. Agora, ele afirma ter um novo motivo para lutar –a preservação da grota do Bexiga, local tombado onde moradores e o coletivo Salve Saracura tentam evitar a construção de prédios. "Deixem o rio correr em paz", finaliza Zé Celso.

Conheça o Bexiga

Cantina Conchetta
r. 13 de Maio, 560

Casa & Bottega
Informações em Instagram @acasaebottega

Feira de antiguidades do Bexiga
Aos domingos, das 9h às 15h, na praça Dom Orione

Teatro Oficina
r. Jaceguai, 520

Vila Itororó
r. Maestro Cardim, 60