Comer 'carnes vegetais' é um martírio que ignora os delírios dos vegetais frescos
Imitações de proteína animal se afastam dos sabores surpreendentes da cozinha vegana
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No início de 2001 o grande chef Alain Passard escandalizou a gastronomia francesa ao praticamente deixar de servir carnes, numa guinada vegetariana em seu restaurante L’Arpège, em Paris.
Vinte anos depois, na semana passada, o chef suíço Daniel Humm anunciou que seu Eleven Madison Park, em Nova York, eleito o melhor restaurante do mundo em 2017, reabrirá em junho servindo só produtos de origem vegetal.
Nesse meio tempo, o campeão de estrelas Alain Ducasse já começara a priorizar os vegetais, embora sem eliminar carnes, no restaurante com seu nome no hotel parisiense Plaza Athénée.
Em comum, além da opção pelos vegetais, há duas coisas. Primeiro, eles tinham maravilhosos pratos de animais —Passard com assados magistrais que iam de pombos a cabeça de porco, Humm com seu inesquecível pato glaceado com mel de lavanda, Ducasse com seus lagostins ao caviar. Segundo, nenhum deles não propõe carnes falsas e imitações grotescas de animais —provavelmente tampouco Humm, quando ele divulgar o seu novo cardápio.
A opção por não comer produtos de origem animal pode produzir uma longuíssima discussão, mas é claramente aceitável. Já o juízo sobre as qualidades gastronômicas dessas falsas carnes não deixa margem a dúvidas: elas são muito ruins, mais ainda se comparadas ao produto original.
Eliminar qualquer alimento animal traz riscos à saúde, mas que podem ser contornados, é claro. Do ponto de vista do paladar, a dieta vegana traz possibilidades fantásticas e quase infinitas.
Vegetais frescos e orgânicos —e não imitações de carnes feitas com plantas maquiadas e processadas industrialmente— podem produzir delírios gastronômicos, sabores inesperados e surpreendentes, especialmente se manipulados com sabedoria e arte.
Quando Passard, que serve frutos do mar e aves principalmente como acompanhamentos de vegetais, usa suas técnicas de assador para, no lugar de patos ou cordeiros, preparar beterrabas multicoloridas, ele arranca novas notas defumadas e tostadas do adocicado natural das raízes —e não as humilha como “bife" de beterrabas. Mas o que ele faria com uma “linguiça do futuro”?
O que eu fiz foi ignorar receitas e usar basicamente o grelhado e a fritura para sentir as características originais dos produtos, sem mascará-los com muitos outros sabores.
A dita “linguiça” foi meio sinistra. Ela soltou um líquido vermelho como sangue diluído em plasma, em seguida, começou a chiar como um suíno. Nada muito inspirador para veganos. Um adendo: linguiças de verdade não fazem essas coisas.
Passei então para o “peixe” (“salmão”), “frango”, “carne bovina”. De uma forma geral, todos se igualam porque exalam aromas que se aproximam daqueles dos produtos verdadeiros, ajudando também a trazer alguma lembrança ao paladar. Além disso, suas texturas são apenas uma tênue imitação daquilo que propagandam emular.
Quem melhor engana é o hambúrguer, pois é mais fácil imitar uma carne moída do que uma fatia maciça de bife. A “linguiça” tem consistência que lembra borracha. O pobre filé de “peixe” se esfarela ao toque, como se estivesse já decomposto.
Então, para a turma do “me engana que eu gosto”, sugiro que ao usar essas carnes falsas, tentem camuflá-las ao máximo, caprichando em cozimentos, temperos e molhos copiosos para esconder a verdadeira natureza antinatural do produto. Ou apelem para pratos que já vêm prontos, disponíveis nos deliveries e restaurantes, sem inventar de fazer o preparo em casa.
Mas melhor mesmo, se não deseja comer carne, é esquecer estes sucedâneos industriais processados e usar a imaginação para explorar as maravilhosas possibilidades gastronômicas abertas pelo fascinante mundo vegetal.