Ouça 10 versões de 'Asa Branca', 50 anos após Caetano Veloso cantá-la contra a ditadura
Disco 'Caetano Veloso', que traz a música de Luiz Gonzaga, foi lançado no Brasil em 1971
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Não é à toa que a última faixa do disco "Caetano Veloso" é uma versão de "Asa Branca", o clássico imortalizado na voz de Luiz Gonzaga. Gravado em Londres no ano de 1970 e lançado no Brasil em junho de 1971, há 50 anos, o álbum foi inteiramente produzido durante o exílio do cantor e compositor baiano, que havia sido forçado a sair do Brasil após ele e Gilberto Gil serem perseguidos e presos pela ditadura militar.
Caetano estava triste. Preso depois que o governo decretou o AI-5 —medida que endureceu a ditadura, fechou o Congresso, instituiu a censura prévia e restringiu as liberdades individuais—, ele e Gil ficaram meses encarcerados e foram soltos apenas na Quarta-Feira de Cinzas de 1969, sendo logo em seguida mandados para o exílio. Aos 26 anos e já na Europa, o autor de "É Proibido Proibir" escreveu naquela época ao Pasquim que ele e Gil estavam mortos na capital inglesa.
É aí que entra "Asa Branca". Dois anos depois, mesmo ainda melancólico e sem vontade de entrar em estúdio para gravar, Caetano ressurge com o álbum que leva o seu nome, o primeiro da safra inglesa da sua produção, e que traz sete músicas —seis delas compostas e cantadas em inglês. É dessa leva, por exemplo, "London, London", "If You Hold a Stone" e "Shoot me Dead, além de "Maria Bethânia", quase que uma súplica por uma carta da irmã trazendo boas notícias.
Já "Asa Branca", composição de 1947 feita por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira e que se tornou uma das faixas imortais do cancioneiro brasileiro, encerra o disco. Em mais de sete minutos, o cantor não apenas transpõe o baião para a batida de violão consagrada por João Gilberto ou usa a própria voz como instrumento, mas também dá novos níveis para a letra.
Se Gonzaga e Teixeira escancararam o exílio forçado a que os retirantes nordestinos eram submetidos por causa da seca, Caetano levou isso para o campo político e para o deslocamento a fórceps imposto pelos militares brasileiros, muitas vezes após sessões de tortura —mas com um quê de esperança triste, ressignificando versos como "eu te asseguro, não chore não, viu/ que eu voltarei, viu, meu coração".
Nos 74 anos de "Asa Branca", porém, Caetano não foi o único a regravar a canção. Nomes como Toquinho, Elis Regina, Sivuca e o próprio filho de Luiz Gonzaga, Gonzaguinha, também recantaram—e alguns até desconstruíram— o clássico. Tanto que um relatório publicado em abril pelo Ecad, o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, mostrou que a faixa é a quarta música brasileira mais gravada na história do país, com 316 gravações.
Confira abaixo dez dessas versões —da clássica de Gonzagão, passando pela cinquentenária de Caetano e chegando a outras, entre elas até uma feita em inglês por Raul Seixas.
LUIZ GONZAGA
CAETANO VELOSO
Quando Caetano cantou a música durante o exílio e fez escorrer a saudade do Brasil e do Nordeste, "Asa Branca" já era clássico. Na versão do baiano, a letra acaba pontuando o exílio imposto pela ditadura, enquanto o violão é acompanhado apenas pela voz, reforçando a melancolia do contexto.
GILBERTO GIL
Exilado com Caetano em Londres e também preso pela ditadura militar, Gil vai cantar "Asa Branca" já em outra época, com os anos mais duros da ditadura reservados aos livros de história. O resultado é uma batida que volta à origem, ao baião e ao forró, mais próxima do clima das festas juninas.
SIVUCA
Um dos maiores músicos brasileiros, o multi-instrumentista desconstrói a composição de Gonzaga e Teixeira. A faixa até começa parecida com a original, mas depois Sivuca parece colocar toda a harmonia num liquidificador, insere novas notas e transforma os tempos em sua faixa instrumental.
TOQUINHO
Em outubro do ano passado, já durante a pandemia, o Rio Montreux Jazz Festival reuniu Toquinho e Yamandu Costa para fazerem uma homenagem ao violão. Uma das músicas tocadas por Toquinho, que faz parte de um disco recém-lançado com a apresentação, é uma versão instrumental de "Asa Branca".
RAUL SEIXAS
Um dos nomes que mais uniram a música brasileira ao rock, Raul lançou uma versão da canção de Luiz Gonzaga —mas em inglês, chamada "White Wings", numa tradução literal do título. Em outra faixa, ele une "Asa Branca", cantada em português, ao clássico do country americano "Blue Moon of Kentucky".
ELIS REGINA
Acompanhada do piano, Elis Regina foi outra que emprestou sua voz ao baião —mas fora do ritmo nordestino e muito mais próximo da potência que ela costumava dar a suas interpretações. Em 1979, ela já havia cantado a música ao lado de Hermeto Pascoal no Montreux Jazz Festival, na Suíça.
MARIA BETHÂNIA
Irmã de Caetano Veloso, título de uma música do álbum dele de 1971 e outra das principais vozes da música brasileira, Bethânia interpreta "Asa Branca" no show "Dentro do Mar Tem Rio" —no qual ela canta as águas, mas também se debruça sobre a seca entoada por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira.
CHITÃOZINHO, XORORÓ E NEY MATOGROSSO
Em um encontro que pode parecer improvável, Chitãozinho e Xororó se unem a Ney Matogrosso para cantar a história do rapaz que sai do Nordeste e deixa a amada para trás. Embora comece com arranjo parecido com o original, a versão logo evereda para um acelerado sertanejo com toques de country.
GONZAGUINHA
Luiz Gonzaga e o filho passaram décadas com uma relação ruim. Gonzaguinha perdeu a mãe quando ainda era criança e, quando o pai se casou de novo, viu a madrasta rejeitá-lo —o que fez com que ele fosse criado pelos padrinhos. Os dois só se aproximaram nos anos 1980, e sua versão de "Asa Branca" é um dos símbolos dessa união.
FAIXA BÔNUS
Outro nome que interpretou e desconstruiu "Asa Branca" foi Hermeto Pascoal. No disco "A Música Livre de Hermeto Pascoal", de 1973, ele brinca com a canção, adiciona apitos, abusa da flauta e recria a melodia. No mesmo álbum, o músico faz o mesmo com outro clássico brasileiro: "Carinhoso", que ganha uma de suas versões mais surpreendentes.