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Teatro

Peça de teatro no Telegram reconstitui viagem de avião que dura oito horas

Espetáculos virtuais levam espectadores a passear por diferentes plataformas e propõem a participação em escolhas para decidir a trama

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São Paulo

Na semana passada, fui adicionada a um grupo no WhatsApp, entrei para um canal de transmissão no Telegram e votei numa enquete do Instagram. Nada disso soaria como novidade se fossem mais um dos grupos de colegas com os quais não converso ou mais canais que nos atualizam do que acontece no BBB e na CPI, mas eram, na verdade, bilhetes de entrada para peças de teatro.

Enquanto a reabertura de teatros é autorizada em algumas cidades e espaços começam, ainda que timidamente, a retomar as atividades, outros grupos mergulham ainda mais nas propostas virtuais. Espetáculos criam um passeio por plataformas diferentes, como WhatsApp, Zoom, Telegram e Instagram, e propõem que o público decida parte da trama.

O Grupo Galpão começa neste sábado, dia 5, o primeiro de cinco espetáculos em diferentes formatos nas redes sociais, numa programação que vai até dezembro de 2021. “Como os Ciganos Fazem as Malas” se desenrola inteiramente no Telegram com a história de um escritor que viaja num avião —​enredo que mexe com a saudade das viagens.

Da plateia, ou seja, do sofá de casa, recebemos fotos, áudios, GIFs, mensagens de texto e vídeos desse protagonista sobre um vizinho de poltrona, além de avisos da aeromoça e escritos que ele elabora no percurso. Uma função da plataforma permite que áudios e vídeos continuem tocando na tela mesmo durante a rolagem, criando uma sinfonia de relatos como plano de fundo.

Num determinado momento da viagem, também é possível opinar sobre o tempo que deve durar a escala do voo. Pode ser um breve respiro, de um minuto, apenas para trocar de poltrona, ou uma pausa mais longa para beber uma água ou um café —função que relembra o público que há uma pessoa por trás da tela. Não se trata de um envio automático de mensagens.

Imagem da peça 'Como os Ciganos fazem as Malas', toda feita pelo Telegram, do grupo Galpão - Paulo André

O espetador também escolhe os rumos de outras duas peças virtuais —"(In)confessáveis 2", com direção de Marcelo Varzea, e "Eu-Casa", do grupo Parahyba Rio Mulher.

O jogo proposto por Varzea, já realizado no ano passado, se divide em três salas do Zoom, nas quais diferentes atores apresentam monólogos curtos.

Na sala um, a plateia teve que decidir se a história de uma festa quente e burlesca ou a de uma ladra patricinha eram verdade ou mentira —e é difícil dar uma escapada da plataforma para conferir uma mensagem que acabou de chegar quando é preciso desvendar o que é fato e o que é ficção nessas apresentações.

E esse mecanismo importa, e muito, quando as peças disputam a atenção do público com mensagens e aplicativos de toda ordem, e outras montagens já exploraram esses recursos na pandemia. Foi o caso de "Caso Cabaré Privê", em que o público se tornava detetive, e "Tudo que Coube numa VHS", que criava sessões individuais com atores por plataformas como Instagram, YouTube e até email.

Um dia antes de “Como os Ciganos Fazem as Malas” começar, um áudio anunciando o começo da viagem avisava o que seria óbvio dentro de um teatro, mas que é um reforço central para as plataformas digitais –o grupo precisa do tempo do espectador.

Quando o grupo do WhatsApp de "Essa É a História da Carteira que Voou", que fez curta temporada, começou a se agitar com os atores perguntando quem tinha visto um vídeo que dava início à peça, esta repórter já sentia necessidade de afastar o olho do celular depois de um dia todo olhando para o aparelho.

O espetáculo propunha um prólogo pela troca de mensagens, simulando uma dinâmica de fofoca bem crível na plataforma, e migrava para o Zoom minutos depois. O relato dos participantes gera dúvidas se esse passeio entre plataformas sempre funciona —alguns disseram que, por estarem só no celular, não foram para a segunda parte da peça na outra plataforma.

O troca-troca de redes sociais também nem sempre ajuda a manter o clima do espetáculo. É o que pode acontecer em montagens como "Eu-Casa", que propõe um passeio por dentro da casa, e da vida, de quatro mulheres.

O público começa a interagir com os atores por uma enquete no Instagram, em que também acontece a live que inaugura a peça. Mesmo que estejamos acostumados a ciruclar por diferentes redes, o intervalo às vezes é longo demais entre deixar a plataforma, se conectar ao WhatsApp e então chegar ao Zoom, onde acontece o trecho principal do espetáculo. Não é tão fácil resistir às mensagens de fora que vão chegando e tiram nossa atenção.

Mas a dispersão do público é necessariamente um problema? Não é o que acha Yara de Novaes, uma das diretoras da peça pelo Telegram. Isso influenciou, inclusive, a escolha do grupo por montar duas versões do espetáculo —uma de oito horas, em que o público recebe mensagens ao longo do dia durante o que seria o tempo real do voo, e uma de uma hora e meia, condensada.

Não há um jeito certo de se dedicar a esses formatos ainda recentes de teatro virtual, defende a diretora. As mensagens podem ficar perdidas no celular de um espectador que esqueceu que receberia ao longo do dia, ou pode nunca ser vista pelo que não tem um hora e meia livre no seu dia e acaba chegando quando o canal de transmissão já se desfez.

Algumas sugestões, no entanto, ajudam o público. Antes de um áudio longo contando a história do piloto, o narrador diz que ele mesmo abandonou "todo o som" ao seu redor e parou para ouvir aquele sujeito. É um pedido que chega como mensagem, da mesma forma que recebemos textos fragmentados de pessoas próximas, num grau de intimidade característico dessas redes.

Mesmo que entre uma ou outra mensagem alguém espie o que chegou na plataforma ao lado, uma pausa mais atenta pode ajudar a fazer do celular uma ponte de contato com outros, de quem estamos afastados —e um recurso para fantasiar o movimento, como se fosse possível estar num avião indo para outro lugar, como aquele escritor.

Como os ciganos fazem as malas

Avaliação:
  • Quando: De 5/6 a 13/6. Sáb. e dom.: 11h às 19h ou 20h
  • Onde: Pelo Sympla, sympla.com.br/grupogalpao
  • Preço: Gratuito
  • Classificação: Livre
  • Direção: Grupo Galpão e Yara de Novaes
  • Texto: Newton Moreno

(In)confessáveis 2

Avaliação:
  • Quando: De 1º a 9/6. Ter. e qua.: 21h
  • Onde: Pelo Sympla
  • Preço: A partir de R$ 10
  • Classificação: 16 anos
  • Direção: Marcelo Varzea

Eu-Casa

Avaliação:
  • Quando: Até 12/6. Sex. e sáb.: às 20h
  • Onde: Pelo Sympla, em sympla.com.br/eucasa
  • Preço: Ingressos gratuitos e contribuições até R$ 50
  • Classificação: 12 anos
  • Direção: Grupo Parahyba Rio Mulher