Mistura de peça e visita guiada revela o que há embaixo do palco do Theatro Municipal de SP
'Fantasmagoria', de Daniela Thomas e Felipe Hirsch, celebra os 110 anos do espaço
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Livros e artigos podem até contar a história e mostrar as curiosidades do Theatro Municipal de São Paulo, mas nada substitui uma visita ao espaço para conhecer os bastidores, os figurinos históricos e os salões pomposos do teatro centenário. Essa é a proposta do "Fantasmagoria", uma mistura de peça, instalação performática e visita guiada que faz um percurso pelo interior do local.
Criada por Daniela Thomas e Felipe Hirsch, a apresentação integra a programação dos 110 anos do teatro, completados em 12 de setembro. A obra traz apresentações de canto e de dança dos grupos da casa, além de antigos figurinos de óperas e balés, revelando de forma dramática os principais pontos da história.
A visita é realizada em grupos de até 30 pessoas, por causa dos protocolos contra a Covid-19. Para se preparar, o público forma uma roda para ouvir um áudio da organização do espetáculo —pelo menos tentar ouvir, já que o eco ambiente, tanto de fora quanto de dentro, atrapalha um pouco a missão.
No meio do saguão, uma escultura de um elefante em tamanho real remete a um caso recente. A ópera "Aída", com direção musical de Roberto Minczuk, maestro da Orquestra Sinfonica Municipal, não foi apresentada no ano passado por causa da pandemia. A estreia estava prevista para 28 de março daquele ano, mas os quase 300 profissionais envolvidos no espetáculo tiveram de deixar o teatro duas semanas antes, no dia 13. O espetáculo não ocorreu, e membros da equipe acabaram morrendo de Covid.
Várias televisões exibem músicos e cantores líricos que tocam instrumentos e entoam melodias distintas, transformando o local em uma cacofonia sem fim. O percurso segue pelas escadarias do prédio, que viram uma espécie de arquibancada quando um cantor de ópera aparece para dar oficialmente as boas-vindas aos visitantes.
Em uma das varandas laterais do edifício, há um grande cubo espelhado. Ali, o ponto principal não é o objeto, mas o áudio que toca ao fundo. Nele, o ator Bukassa Kabengele lê o manifesto de fundação do Movimento Negro Unificado, feito nas escadarias do Theatro Municipal em junho de 1978, em um ato que envolveu mais de 2.000 pessoas.
Enquanto Kabelgele fala sobre casos de violência e discriminação contra a população negra, os visitantes se mostram mais interessados em fazer a melhor pose para a foto dentro da instituição. Como o tempo em cada espaço é limitado, a guia tem de se preocupar em reunir o pessoal a tempo para não atrasar o trajeto.
A próxima parada é o salão nobre. Ali, o público se senta em roda diante de um carpete espelhado que serve de palco para dançarinos do Balé da Cidade, que dançam acompanhados de canções tocadas ao vivo no piano e no violino. Eles bailam em uma sala com pinturas no teto e janelas com a extensão da parede.
Em outra varanda, figurinos que fazem parte da central técnica estão enfileirados. Alguns deles podem ser vistos no vídeo exibido nas televisões instaladas por ali. São cenas de um espetáculo de balé, de 1954, que aconteceu no ginásio do Estádio do Pacaembu, quando a instituição passava pela primeira grande reforma.
O público é levado para um corredor onde é projetada uma imagem do Theatro Municipal no dia da inauguração, em 12 de setembro de 1911. A cena ganha uma narração sobre a noite, quando mais de cem carruagens ficaram na parte de fora do local e cerca de 20 mil pessoas foram admirar a iluminação.
A estrutura arquitetônica faz com os visitantes se transportem para um espaço-tempo diferente do atual. Por um breve momento, é possível esquecer o caos do centro de São Paulo e a desigualdade visível na região. É quando o percurso, então, convida o público a prestar atenção na paisagem urbana e nos sons ao redor do Municipal.
O cenário é composto por barracas de camelô, ônibus para lá e para cá, skatistas que realizam manobras na mesma escadaria onde pessoas em situação de rua —cujo contingente aumentou durante a pandemia— também se abrigam. Nos ouvidos, um pagode se confunde com a versão eletrônica da música “Volare” cantada pelos Gipsy Kings.
O trajeto segue depois por outro corredor, no qual há a projeção de uma animação de Mário de Andrade, em referência à relação do modernista com a instituição. No vídeo, o poema "Inspiração" é recitado na voz do ator Pascoal da Conceição, sob vaias.
A próxima parada é a mais inusitada de todas –é quando se descobre o que há embaixo do palco. Spoiler: são engrenagens, mas o passeio oferece de forma rápida poucas explicações. Como o local não foi feito para a circulação de pessoas, calçados confortáveis são recomendados para deixar o passeio mais seguro.
O último ato, enfim, ocorre na plateia. Com as poltronas sinalizadas entre as que podem ou não ser ocupadas —outro protocolo de segurança contra a Covid-19—, os visitantes dão de cara com um ensaio do Coral Paulistano ou do Coral Lírico. E assim acaba a visita.
Devido à programação da Semana da Criança, o espetáculo-percurso foi paralisado entre os dias 10 e 18 de outubro. A programação retorna no dia 19, com novas datas e horários que poderão ser encontrados no site do Theatro Municipal. Os ingressos estarão disponíveis na próxima terça-feira, dia 12, e custam de R$ 10 a R$ 30.