Quem for ao teatro Faap a partir de sexta, dia 9, não vai encontrar Ney Latorraca, a estrela do musical "Seu Neyla", que narra seus 60 anos de carreira. Embora seja o protagonista do espetáculo escrito por Heloisa Périssé, o paulista estará em cena apenas em vídeo, com transmissão diretamente de sua casa, no Rio de Janeiro. Ao menos a princípio.

"De repente, quando o público estiver saindo, quem sabe eu não apareça no teatro para recebê-los, dar um abraço. Mas isso sem avisar ninguém, vai ser uma surpresa", provoca o artista que, aos 78 anos, passa a limpo suas memórias na montagem idealizada em 2018 por incentivo da produtora Aniela Jordan, que, ouvindo as histórias do artista ao longo da turnê de "Vamp - O Musical", o incentivou a pô-las em cena.

"Há muito tempo as pessoas querem fazer algum projeto: um documentário, um especial para a televisão, alguma coisa relacionada a mim. Veio essa ideia de entrelaçar as histórias com música, fazendo referência ao fato de eu ser filho de um crooner, que cantou no Cassino da Urca, e de uma vedete que também cantava. Então a ideia era narrar a vida desse trio, dessa família."

Em "Seu Neyla - O Musical", as histórias íntimas do ator se confundem com memórias que guarda sobre a trajetória do mercado das artes no Brasil. Entram em cena nomes como Lílian Lemmertz, Antunes Filho, Cacilda Becker, Walmor Chagas, Maria della Costa, Ademar Guerra, Gerald Thomas, Walter Avancini e, é claro, Marília Pêra, sua madrinha de formatura na Escola de Artes Dramáticas e diretora de um de seus maiores sucessos, "O Mistério de Irma Vap".

"Penso em Marília todos os dias. Eu sonho com ela, eu a sinto presente, eu peço proteção a ela e a minha mãe para entrar no palco, elas são poderosas", diz o ator que viu na morte de Pêra uma forma de lidar com sua própria finitude, mesmo após passar mais de 40 dias internado em estado grave, há dez anos, quando teve um quadro de inflamação e de insuficiência respiratória.

"Tenho menos medo da morte, porque ela agora ficou mais próxima. Tenho 78 anos e vejo a vida como um quebra-cabeça, do qual vão caindo pedaços. As pessoas vão embora, mas você continua —e, em algum momento, você vai também. Mas nós seguimos dia a dia, vou ao dentista, ao contador, ando pela casa, caminho pela Lagoa, essas coisas."

A rotina do ator, inclusive, foi o que o impediu de estar presente em cena. Vacinado, mas ainda temeroso com a pandemia da Covid-19, ele decidiu permanecer em casa e só aceitou que o espetáculo fosse feito com sua presença quando o diretor José Possi Neto propôs que ele aparecesse num telão de cinco metros. "Mas não é ego, não, viu?"

Com elenco formado por Aloísio de Abreu, Helga Nemetik, Thainá Gallo, Bruno Fraga e Pedro Henrique Lopes, "Seu Neyla - O Musical" mergulha também na história política do Brasil. Embora a lei eleitoral já não o obrigue a votar, Latorraca garante que pretende se manter ativo nas eleições —e declara voto em Lula, do PT, embora afirme gostar muito de Ciro Gomes, do PDT.

"Mas não dá para votar nele, senão enfraquece, e esse é um momento muito perigoso, há uma nuvem sobre a cabeça de todos nós que destrói a cultura. Precisamos reconstruir, então, sim, pode dizer que vou votar no Lula."