O que tem a dizer Medeia, feiticeira exilada, traída e destituída de seu trono, sobre a condição da mulher no Brasil de 2022?
Esse exercício é apresentado no espetáculo "Mata Teu Pai, Ópera-Balada", que estreia no Sesc Pompeia nesta quarta, dia 17, e segue em cartaz até 9 de setembro. Nele, a cantora Assucena, ex-integrante do grupo As Bahias e a Cozinha Mineira, encarna a mulher que rompe drasticamente o destino atado ao patriarcado.
Esta é a segunda adaptação do texto de Grace Passô, que traz aos nossos dias a tragédia grega de Eurípedes, novamente conduzida pela diretora Inez Viana. Apresentado pela primeira vez em 2017, em premiada montagem com a atriz Débora Lamm, a peça adquire agora novas camadas ao ser convertida em ópera-balada –um gênero desenvolvido na Inglaterra do século 18, que rompe a sisudez da ópera italiana e reúne canções populares e diálogos falados.
Na nova montagem, canções e movimentos compostos por Vidal Assis dão a tônica da narrativa. A música é executada ao vivo pelo músico Barulhista, aliada às vozes do elenco formado por Aivan, Eme Barbassa, Joana dos Santos e Warley Noua, além de Assucena, que estreia no papel de atriz.
Nas palavras dela, a atuação é um ofício novo e desafiador. "Acho que a interpretação que trago como cantora é meia-irmã do ato dramático. Você precisa se deslocar do seu corpo para encontrar o eu-lírico de cada canção. A Medeia vem dessa construção", conta.
No texto, a personagem é vista não apenas como uma princesa destituída ou uma feiticeira, mas como uma refugiada. A vingança que ela articula também é lida como uma ameaça à estrutura patriarcal que costuma traçar destinos trágicos para as mulheres.
"Medeia provoca medo. O patriarcado acha que faria tudo o que fez com as mulheres e não criaria uma Medeia? Acha que aconteceria toda a violência, estupro e objetificação e não produziria uma Medeia? Ela não veio do nada", diz a agora atriz.
Pioneira de uma movimentação recente na música brasileira arregimentada por pessoas trans e travestis, Assucena cria ainda uma Medeia atravessada por questões de gênero, regionalidade e raça que não compuseram outras adaptações do texto –como a também engajada "Gota D’Água", de 1975, em que Chico Buarque e Paulo Pontes também partem da peça de Eurípedes e que teve Bibi Ferreira no papel principal.
Na visão de Grace Passô, o elenco, formado majoritariamente por atrizes negras, trans e travestis, inscreve sobre o texto novos sentidos políticos. Preconceito, discriminação racial e de gênero, xenofobia e sexismo conduzem a narrativa, afirma Inez Viana, diretora da montagem.
"Na peça, Medeia vivencia todas essas questões, além da transfobia. Precisamos olhar para o passado para analisar e criticar comportamentos sob uma nova ótica", afirma a encenadora.
Viana adianta que "Mata Teu Pai, Ópera-Balada" é a segunda parte de uma trilogia iniciada com o espetáculo "Mata Teu Pai", de 2017. A terceira montagem será um espetáculo de dança com coreografia de Cristina Moura. Mas ainda não há data, diz a diretora.
"Por enquanto, estamos viabilizando a circulação deste espetáculo em outras cidades do país e da América Latina. As discussões são amplas e precisam ser debatidas à luz do nosso momento atual, de aflição, mas também de esperança."
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