SP ganha Rage Room, onde raivosos destroem TVs e LPs da Simone para aliviar o estresse
Em formato 'quebre e pague', clientes usam tacos de beisebol para destroçar objetos
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No rádio, Jimi Hendrix e Kurt Cobain. Na mão, um taco de beisebol. À frente, uma televisão de tubo que vai se transformar em pequenos cacos de vidro —em uma quebradeira que até pode lembrar a dos astros do rock que destruíam suas guitarras, mas que ocorre em São Paulo, em uma sessão que serve de válvula de escape para aliviar o estresse da pandemia.
Batizado Rage Room CT e localizado na Cidade Tiradentes, bairro na zona leste paulistana, o negócio foi projetado para que as pessoas possam quebrar diferentes objetos dependendo do tamanho da raiva. As opções passam por garrafas, TVs, LPs da Simone e até vaso sanitário.
O formato é o de um pesque e pague —ou um “quebre e pague”. Cada objeto tem um valor para ser destroçado. Clientes costumam desembolsar, em média, R$ 35, sendo que o preço de entrada é R$ 10.
Para transformar o disco de vinil “Amor e Paixão” da cantora Simone em caquinhos pagam-se R$ 2. A conta fica mais salgada se a ideia for marretar uma televisão de 50 polegadas, que tem preço de R$ 50.
Alguns dos clientes do serviço não se contentam só com a adrenalina da destruição. Eles escrevem os nomes de ex-namorados nos objetos e até colam a foto do chefe nas coisas que serão dizimadas.
Cerca de 600 pessoas já frequentaram o empreendimento desde a abertura, em outubro do ano passado. Quem domina a procura são mulheres, diz Vanderlei Rodrigues que administra o local com o irmão Vitor. “Na periferia, a mulher nunca tem um tempo dela. Aqui é um lugar onde ela pode colocar tudo para fora, mas sem ter que limpar a bagunça depois”, diz o dono.
Rodrigues conta que o interesse pelo negócio surgiu depois de acompanhar, pelas redes sociais, outras salas do tipo nos Estados Unidos. “O nível de estresse aumentou muito durante a pandemia”, ele diz. “Como não tinha concorrência, resolvi criar e testar.”
O Rage Room dos irmãos, porém, não é inédito em São Paulo. Em 2016, a hamburgueria Break Lab Entertainment, na zona sul, foi lançada com um espaço dedicado também à quebradeira. Mas, com a pandemia, a ala para estraçalhar objetos foi desativada.
Os primeiros registros de lugares especializados nessa espécie de terapia não convencional surgiram nos Estados Unidos e no Japão em 2008 —quando o mundo vivia as consequências do colapso financeiro americano.
De acordo com o jornal americano The New York Times, foi em Dallas que surgiu a primeira empresa que lucrava com a raiva alheia. A ideia nasceu de uma mulher que cobrava US$ 5 (cerca de R$ 25) para que pessoas quebrassem objetos na sua garagem.
No mesmo ano, segundo o britânico The Telegraph, um lugar semelhante foi inaugurado em Tóquio, onde as pessoas jogavam louças contra uma parede de concreto. Na Argentina também há registros de um Break Club. Em 2014, moradores de Buenos Aires extravasavam a raiva lá. Em comum a esses casos, sempre há um contexto de crise.
Não é diferente no Brasil, que vive mergulhado em problemas econômicos, enfrenta uma pandemia que já vitimou mais de 500 mil pessoas e ensaia uma convulsão política com denúncias de corrupção no governo Bolsonaro e protestos nas ruas.
Rodrigues diz que é uma espécie de “coach da raiva” e estimula os clientes com frases motivacionais. “Falo para eles pensarem em tudo o que aguentam todos os dias.”
Para driblar a dificuldade de encontrar um proprietário de imóvel que aceitasse alugar o local para pessoas marretarem objetos, a solução encontrada pelos irmãos foi convencer a vizinha. É na casa dela, em uma sala de 35 m², que curiosos e raivosos desopilam o fígado.
Para frequentar o local, é obrigatório usar óculos de proteção e luvas, bem como calças e sapatos fechados —além de máscara durante todo o período, é claro, por causa da pandemia. Mesmo com os equipamentos, cuidado é essencial. “Brasileiro é muito estabanado”, diz Rodrigues.
Durante as sessões, os irmãos ensinam a quebrar cada objeto e a evitar que pedaços ou cacos de vidro machuquem o rebelde da vez.
Para estraçalhar uma televisão, não é possível marretá-la de forma desgovernada, por exemplo. O ideal é que as pancadas sejam feitas de lado, como num jogo de beisebol.
Já as garrafas não devem ser arremessadas na parede pelo gargalo ou como se estivéssemos em um casamento grego. A forma correta é jogá-las como se fossem um coquetel molotov, segurando pelo corpo do recipiente.
O local tem parceria com um ferro velho e com catadores de lixo da região para repor o estoque, além de receber garrafas de bares próximos. Tudo o que vira pó nas sessões de destruição é depois descartado e enviado para reciclagem.
Embora os donos garantam que todos deixem o espaço com o espírito mais leve e mais satisfeito, a prática como forma de terapia para a raiva não é bem vista entre especialistas em saúde mental.
Professor do departamento de psicologia social da PUC, Helio Deliberador diz que a solução parece simples demais para tratar questões complexas. De acordo com ele, a quebradeira pode trazer, no máximo, um efeito momentâneo. “A raiva deve ser tratada com tratamentos psicoterápicos ou exercícios físicos que liberam hormônios capazes de auxiliar nas disposições afetivas.”
Mesmo assim, o negócio parece ir bem. Quando a pandemia arrefecer, a ideia dos irmãos é expandir a marca Rage Room CT para outros pontos da cidade. Originalmente, as iniciais CT se referem à Cidade Tiradentes. Nos possíveis novos pontos, a ideia é que as letras ganhem outro significado: contra tudo.
Rage Room CT
R. Francisco Pawlik, 16, Cidade Tiradentes, região leste. Reservas pelo WhatsApp (11) 98038-8060. Instagram: @rageroomct
QUANTO CUSTA A SUA RAIVA?
Além da entrada de R$ 10, clientes precisam pagar pelos itens quebrados nas sessões, que duram até uma hora
20 garrafas
R$ 10
PC completo
R$ 20
CPU
R$ 10
TV 20”
R$ 15
TV 42”
R$ 25
TV 50’’
R$ 50
Monitor
R$ 15
Discos
e LPs
R$ 2 cada um
Filmadora
R$ 40
Controle de videogame
R$ 2
Ventilador
R$ 3
Aparelho de som
R$ 10
Liquidificador
R$ 5
Video-cassete
R$ 10
Impressora
R$ 10
Telefone
R$ 5