Caminhar pelas ruas Monte Serrat e Apucarana no fim de tarde de um dia de semana é observar a dinâmica do Tatuapé. As calçadas estão cheias de pessoas que descem das partes mais altas do bairro em direção ao metrô —são os que trabalham no bairro e agora partem. As ruas, por sua vez, ficam apinhadas de carros que sobem, vindos da Radial Leste—são os que moram ali e chegam do trabalho.
Ainda que seja repleto de serviços, como mercados, escolas, padarias, salões de beleza, clínicas médicas, farmácias, bares e restaurantes, a região ainda é, majoritariamente, residencial, com cada vez mais edifícios de apartamentos com frente recuada e portarias espalhafatosas.
O Tatuapé foi o bairro paulistano que mais ganhou em área construída entre 2014 e 2018. O dado corrobora a sensação de quem mora ou costuma frequentar a região, cheia de canteiros de obras, e que, até as primeiras décadas do século 20, era formada por chácaras de cultivo de uvas.
A mais recente moda tem sido a dos condomínios cercados não por grades, mas por grandes placas de vidro, que, imagino, devam dar muito trabalho aos funcionários da limpeza para que estejam sempre transparentes, além de confundir bastante os pássaros.
Nas quadras ao sul da linha formada pelas estações de metrô Carrão, Tatuapé e Belém, um projeto em curso está mudando rapidamente a cara do bairro. O chamado Eixo Platina —que leva o nome da rua primeira paralela à Radial— quer criar ali um polo de trabalho na zona leste, atraindo a população da região para encurtar deslocamentos.
A intervenção urbana está botando abaixo antigas casas para construir cinema, hospital, teatro, centro de convenções, hotéis, e, segundo a construtora responsável, 85 mil m² de lajes corporativas.
Já está de pé o Platina 220, de uso misto, o mais novo prédio mais alto da cidade, que fica atrás da estação de metrô Tatuapé, na esquina das ruas Bom Sucesso e Caraguataí.
O bairro também abriga o atual terceiro lugar entre os mais altos, o residencial Figueira Altos do Tatuapé, que perde para o tradicional Mirante do Vale, no centro da capital. Passar hoje pela praça Barão de Itaqui, que faz parte deste projeto, é se deparar com duas grandes quadras completamente destruídas.
Até pouco tempo atrás, diante da escola municipal Jackson Figueiredo, havia casinhas com porta para a rua ou garagem. Uma quadra acima ficava a vila operária da rua João Migliari, com seus sobrados geminados alaranjados, demolida em 2019 sob protestos dos moradores, lamentos do Instituto de Arquitetos do Brasil e pedido de tombamento.
Sobrevivem só cinco das casas, na rua Padre Estevão Pernet, porém semidestruídas. Os tatuapeenses convivem ainda com o fim de boa parte do parque municipal Sampaio Moreira, onde funcionava um clube escola com piscina, colado ao metrô Carrão.
O local, que oferecia aulas de diversas modalidades esportivas e já abrigou um grupo escoteiro e uma equipe de gueitebol (esporte popular entre imigrantes e descendentes de japoneses) foi fechado para obras de instalação de um CEU na gestão de Fernando Haddad, do PT, amargou bons meses inacessível à população e reabriu parcialmente já sem parte importante de sua cobertura vegetal.
Árvores e as quadras cobertas do parque deram lugar aos prédios do CEU, que, segundo a prefeitura, ainda não tem data para ser inaugurado.
Perto dali, na esquina da Airi com a Platina, já funciona um dos prédios do eixo que muda a cara do bairro, um edifício comercial que abriga, no térreo, comércios como cafeterias, bares e um spa. Embora tenham em seus nomes “prime” e “gourmet”, demonstram menos cafonice que a rua Itapura e dão vida às calçadas.
A Itapura, uma via de mão única que liga o Anália Franco, parte alta do bairro, à saída para a Radial Leste, há anos é das mais badaladas da região, tendo hoje mais fervo que o entorno da Coelho Lisboa na altura da Euclides Pacheco e Cantagalo, mais próximas à central praça Silvio Romero.
As decorações de bares e restaurantes, os nomes em inglês —qualquer quilo vira “grill and salad”— e as luzinhas nas árvores dão um ar cafona de Campos do Jordão. Nas noites pandêmicas, a rua está cheia de gente sem máscaras e de música ao vivo.
Chegando aos altos do bairro, na rua Eleonora Cintra, que leva ao parque Ceret, com quadras de tênis, campo de rugby e a maior piscina pública da América Latina, uma casa de bebidas e empório havia instalado um DJ em sua calçada numa noite de sexta.
Mas o Tatuapé, vale lembrar, é quase uma abstração. São muitos bairros num só, como Cidade Mãe do Céu, Vila Azevedo, Vila Gomes Cardim, Vila Zilda.
Muitos moradores defendem que Tatuapé mesmo é o bairro ao norte da Radial Leste, onde passa a avenida Celso Garcia e fica o parque São Jorge, também cheio de prédios residenciais subindo sem parar, botando abaixo casas e antigos comércios.
Menos badalado, o lado abriga duas bibliotecas públicas de desenho moderno inauguradas em 1952 e desenhadas por Hélio Duarte, na praça José Moreno. Hoje uma tem um acervo temático de música, e a outra, de contos de fadas.
Em meio a tanta novidade, as bibliotecas —há ainda outra no final da rua Tuiuti, na movimentada de bares e hamburguerias praça Ituzaingó— dão uma sensação de estabilidade possível no bairro, que não para de mudar.
Estabilidade como comer, na Silvio Romero, um cachorro-quente em um dos inúmeros trailers parados na praça ou uma coxinha na centenária padaria Lisboa. Ou, ainda, ver que ainda resiste o Lord’s, um fliperama —ou lugar de, como diz a música de Arrigo Barnabé, diversões eletrônicas.
Quando no Tatuapé, não deixe de...
• Provar as coxinhas e empadas da padaria Lisboa, na praça Silvio Romero, 112; ali desde 1913
• Furar a dieta com os doces e bolos da Tentação, na rua Azevedo Soares, 1.981
• Fazer compras e comer um pastel na feira livre de sábado no estacionamento do metrô Carrão
• Ficar impressionado com os temakis gigantes da Temakeria Paulista, na rua Serra de Japi, 1.436
• Dar um passeio pelo largo Nossa Senhora do Bom Parto tomando um sorvete da Marco Polo, que fica no número 57
• Almoçar no restaurante Cepa, na rua Antônio Camardo, 895, que tem o selo Bib Gourmand (melhor relação qualidade/preço) do Guia Michelin
• Quando a pandemia acabar, assistir a uma partida do time feminino no Corinthians na Fazendinha, na rua São Jorge, 777
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