Museu da Língua Portuguesa, que volta a funcionar em SP, surgiu com homem de números
Engenheiro da CPTM imaginou centro sobre idioma na estação da Luz
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Uma ideia inicial, ainda vaga, de um espaço dedicado à língua portuguesa em um patrimônio histórico de São Paulo começou a surgir, quem diria, na cabeça de um homem mais ligado aos números. O engenheiro Pedro Benvenuto foi quem associou, pela primeira vez, o idioma ao prédio da estação da Luz.
Depois de muitos desdobramentos e alterações de rota, aquela semente resultou em 2006 na inauguração do Museu da Língua Portuguesa, que reabre para convidados neste sábado e para o público no domingo.
Diretor de engenharia da CPTM, a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos, do final dos anos 1990 ao início da década de 2000, Benvenuto comandava o projeto Integração Centro, que promoveu a ampliação e a restauração de estações como Brás, Luz e Barra Funda, facilitando a conexão entre a malha ferroviária da Grande São Paulo e o metrô .
Em 2000, houve um encontro da Associação Latino-Americana de Metrôs e Subterrâneos, da qual a CPTM é integrante, em Lisboa. Uma ideia veio à tona em um jantar na casa de António Augusto Martins, então presidente do metrô da capital portuguesa.
Benvenuto e o anfitrião conversaram sobre a possibilidade de fazer um intercâmbio entre os dois países para promover a língua, usando a estação da Luz, em São Paulo, e a estação Restauradores, em Lisboa.
Ao retornar ao Brasil, o engenheiro escreveu um texto intitulado “Centro de Estudos da Língua Portuguesa - Estação da Luz“, que previa “fortalecimento, conhecimento e divulgação do idioma português” e daria visibilidade aos escritores dos países lusófonos por meio de exposições e oficinas. A iniciativa com o lisboeta, no entanto, não foi adiante.
Meses se passaram quando Benvenuto soube, por interlocutores, que a Fundação Roberto Marinho tinha interesse em implantar um projeto em São Paulo. Por sua vez, Ricardo Piquet, então gerente de desenvolvimento institucional da fundação, tomou conhecimento de que a CPTM pretendia dar um novo uso ao antigo prédio e não havia dinheiro para essa finalidade.
No início de 2001, se sentaram à mesa do Café Girondino, no centro de São Paulo, Piquet, Benvenuto e o arquiteto Renato Viegas, também da CPTM. “Falei naquele momento ao Piquet sobre a língua portuguesa, mas nem imaginava o que eles [equipe da fundação] acabariam criando”, lembra Benvenuto.
De fato, o espaço iria se tornar, cinco anos depois, algo bem mais complexo e ambicioso do que se falava à mesa do Girondino. “O museu é um produto do poliamor pela língua, não tem pai nem mãe”, brinca Hugo Barreto, que era superintendente de criação da fundação nesse período e se tornou, meses depois, secretário-geral da entidade.
De volta ao Rio de Janeiro, Piquet se reuniu com José Roberto Marinho, presidente da fundação até hoje, que ficou entusiasmado com o caminho proposto e pediu que fosse levado adiante.
O projeto ganhou fôlego com a participação efetiva de Barreto, Marcos Mendonça, então secretário estadual da Cultura, e Oliver Hossepian, presidente da CPTM à época. “Em um almoço com Mendonça, comentei a possibilidade de celebrar a língua de um modo que não fosse acadêmico. Ele gostou muito”, lembra Barreto.
Não faltavam obstáculos, contudo. Um dos entraves era o fato de que o prédio, um bem tombado, pertencia a duas companhias ferroviárias, a CPTM, do estado paulista, e a CBTU, que é federal. Depois de longas negociações, foi fechado um acordo de cessão de uso, segundo o qual as empresas concederiam a estação para a secretaria de Cultura.
Além disso, Benvenuto, hoje dono de uma empresa de consultoria, conseguiu levar funcionários, equipamentos e arquivos para outros locais na mesma região.
E quem iria bancar uma obra que, quando inaugurada, em 2006, alcançou o valor de R$ 37 milhões? Foram dezenas de almoços e cafés com potenciais patrocinadores. No início de 2003, a equipe da fundação apresentou as linhas gerais do projeto para algumas empresas no Palácio dos Bandeirantes, com a presença do então governador Geraldo Alckmin, do PSDB.
A IBM foi rápida na decisão de apoiar o novo museu. Outras negociações, lembra Piquet, se arrastaram por cerca de um ano, como aconteceu com a Votorantim, que, por fim, se juntou ao grupo de patrocinadores.
A essa altura, Silvia Finguerut e Lúcia Basto, do departamento de patrimônio da fundação, e Jarbas Mantovanini, gerente do projeto, já estavam envolvidos na adaptação do prédio. A arquitetura ficou a cargo de Paulo Mendes da Rocha, morto em maio deste ano, e de seu filho Pedro. É deles a concepção do famoso corredor de 106 metros no segundo andar, que hoje abriga a instalação “Rua da Língua”.
Dúvidas de outras ordens pairavam no ar. Uma delas era como abordar a língua portuguesa. Outra, qual modelo de museografia adotar.
Em relação à primeira questão, os antropólogos Roberto Pinho e Antonio Risério, que assessoravam Gilberto Gil no Ministério da Cultura, tiveram papel decisivo, segundo Barreto e Piquet. A aposta do museu em destacar a beleza, a diversidade e a ancestralidade do idioma se baseia, em grande parte, nas reflexões de Risério, posteriormente reelaboradas pela curadora Isa Ferraz.
Quanto a museografia, um nome-chave foi Ralph Appelbaum, que havia assinado projetos como o Museu do Holocausto de Washington e o The Newseum, de Nova York. Foi esse designer americano quem deu o caráter fortemente interativo à instituição paulistana.
Mais tarde, o aparato tecnológico delineado por Appelbaum foi aperfeiçoado pelo curador brasileiro Marcello Dantas, como lembra Hugo Barreto, que assina, ao lado de Isa Ferraz, a curadoria das exposições permanentes da nova versão do museu.
Dezenas de colaboradores, de artistas visuais e músicos a operários, se juntaram aos trabalhos. Com o Museu da Língua Portuguesa inaugurado, enfim, em março de 2006, vieram os prêmios —mais de 15 nos anos seguintes— e o público —quase 4 milhões de visitantes até dezembro de 2015, quando fechou por causa de um grande incêndio.
Filial em Lisboa?
Hoje diretor-presidente do IDG, instituto responsável pela gestão do Museu do Amanhã e de outras entidades, Ricardo Piquet lembra uma história curiosa dos anos posteriores à abertura do Museu da Língua.
Incumbido de botar de pé uma nova versão do espaço em Lisboa, Piquet passou meses visitando gabinetes de autoridades portuguesas em busca de apoio. Sempre recebido com gentileza, ouviu elogios enfáticos ao projeto, mas não conseguiu ações efetivas para o levar adiante.
Mais de dez anos depois, um adido cultural português, de quem havia se tornado amigo, disse a Piquet que aquela ideia jamais teria saído do papel. Os portugueses, afirmou o diplomata à boca pequena, não admitiriam que São Paulo tivesse a matriz, e Lisboa, a filial.