Como se sabe, um incêndio em dezembro de 2015 destruiu parte do Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo. Até então, ao longo de quase dez anos, o local tinha recebido 3,9 milhões de visitantes. Serão ao todo 2.049 dias de portas fechadas para o público em geral.
Com duração de 36 meses, a reconstrução ficou a cargo do governo paulista em parceria com a Fundação Roberto Marinho. O museu, no centro da capital, volta a funcionar, enfim, em 1º de agosto, após uma reforma de R$ 85,8 milhões.
Mas chega de números —o lugar é das palavras. Ao que interessa: o museu mudou muito? Não, é igual àquele que se conhecia antes das chamas. E, sim, está bem diferente.
Igual porque mantém o propósito de apresentar a diversidade da língua portuguesa de modo instigante. Segundo Isa Grinspum Ferraz, curadora das exposições de longa permanência ao lado de Hugo Barreto, o objetivo é promover um “diálogo surpreendente entre tempos e espaços e convidar o visitante a pensar na língua como um objeto cheio de histórias e variantes”.
Os eixos principais, diz ela, são os mesmos da época da inauguração —a antiguidade da língua portuguesa do Brasil, a presença global do idioma, o sincretismo da língua e o idioma como entidade viva, em permanente reinvenção.
Por outro lado, mudou bastante. De acordo com Sérgio Sá Leitão, secretário estadual de Cultura, cerca de 80% do conteúdo expositivo é novo. Um destaque entre as criações recentes é a instalação “Falares”, com depoimentos de todas as regiões do Brasil.
É diferente ainda a forma de abordar esse conteúdo, afirma Marília Bonas, diretora do espaço. “O museu nasceu em 2006 com ênfase na celebração da língua. Isso não se perdeu, ainda é importante, mas estamos também atentos à diversidade. As exposições refletem as lutas identitárias.”
É um “museu pós-Black Lives Matter”, diz. A participação de Ricardo Aleixo, poeta e expoente do ativismo negro, na Rua da Língua é uma das marcas desse novo olhar.
O espaço retorna de um outro jeito também por causa da pandemia. Permitirá a entrada de 40 pessoas a cada 45 minutos, com agendamento pela internet, que poderá ser feito a partir da semana que vem.
Além disso, para evitar aglomerações, visitantes terão de seguir um trajeto previamente definido, como fez a Folha.
3º andar
Aqui começa a visita. Quando as portas do elevador se abrem, estamos diante de “Falares”, uma das novas experiências audiovisuais.
É uma instalação com nove grandes telas verticais, que mostram anônimos e famosos em tamanho natural. Cada painel está voltado a um determinado perfil etário, social ou profissional.
Sob a consultoria do escritor Marcelino Freire e da slammer e atriz Roberta Estrela D’Alva, o mosaico reúne rezas, brincadeiras, interpretações de textos teatrais e cantos, que revelam, cada qual a seu modo, a potência da nossa língua.
Como diz Hugo Barreto, um dos curadores, há “encontros, desencontros e até confrontos”, como vídeos com críticas de líderes indígenas à imposição do idioma português aos povos originários do Brasil.
Mais adiante, o visitante chega ao auditório. No filme “O que Pode esta Língua”, o diretor Carlos Nader discute, com certa engenhosidade e humor, como se deu o desenvolvimento da linguagem.
O passo seguinte é um clássico do museu —“Praça da Língua”, espetáculo de luz e som em ambiente que se assemelha a um planetário. É onde o poeta Haroldo de Campos encontra a dupla Caju e Castanha, entre outras homenagens originais às palavras.
2º andar
Instalação que percorre um corredor de 106 metros, “Rua da Língua” é uma herança da versão anterior do museu, mas os vídeos de média duração deram lugar a insights poéticos curtos, que exploram bem as possibilidades visuais de um painel tão longo. Entre os criadores, estão Guto Lacaz e Arnaldo Antunes.
Uma das novidades do piso é “Nós da Língua”, passeio por textos escritos, imagens e sons das nações que integram a CPLP, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.
Na parede oposta à “Rua da Língua”, a linha do tempo foi aprimorada, incorporando vídeos didáticos, transmissões musicais e objetos raros, como uma tigela de cerâmica tupinambá, emprestada pela USP.
1º andar
Exuberantes estandartes de maracatu recebem os visitantes no início da mostra temporária “Língua Solta”, em cartaz até 3 de outubro. É o desfecho do giro pelo museu.
“É uma exposição polifônica, que rompe a hierarquia entre o erudito e o popular”, diz Marília Bonas sobre a mostra com curadoria de Moacir dos Anjos e Fabiana Moraes.
Obras de nomes consagrados, como Bispo do Rosário e Leonilson, aparecem ao lado de criações contundentes de artistas em ascensão, caso de Jaime Lauriano e Denilson Baniwa. Dividem o espaço ainda com o humor das ruas, na forma de cartazes e rótulos de cachaça, e das redes sociais, caso dos memes da página Saquinho de Lixo.
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