Oregon, tradicional hamburgueria de SP, corre o risco de fechar para dar lugar a prédio
Lanchonete de 54 anos em Pinheiros enfrenta intenção dos donos de venderem o edifício
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Cravada na esquina da rua dos Pinheiros com a avenida Pedroso de Moraes, em São Paulo, uma lanchonete com jeitão clássico —daquelas com balcão de madeira, banquinhos revestidos de couro amarelo e fotos de lanches enquadradas na parede— parece resistir ao tempo. Ou quase.
Fundada em 1967 pelo português Raimundo Pereira Guedes, que alugou o espaço após trabalhar em uma fábrica em Jundiaí, no interior de São Paulo, e se aventurar como vendedor na capital paulista, a Oregon ficou conhecida por acalmar estômagos aflitos madrugada adentro com hambúrgueres e uma maionese cuja receita é guardada a sete chaves há mais de cinco décadas.
"Naquele tempo não existiam muitas hamburguerias, então ele fez uma clientela muito boa, de economistas, publicitários, artistas. Até o Ayrton Senna frequentava a Oregon", conta Jairo, que é genro de Raimundo e um dos familiares que tocam o negócio desde a morte do fundador, no ano passado —ele pediu à reportagem que não publicasse seu sobrenome.
Sempre em meio a uma confusão de novidades, o espaço sobreviveu também à chegada de dezenas de hamburguerias hipsters a Pinheiros e à onda de falências que a pandemia deixa para trás. Em agosto deste ano, no entanto, a situação mudou. A vizinhança, cheia de placas de aluga-se e de prédios que começam a subir, dá uma pista do problema.
Junto a quem morava no prédio de oito andares que fica em cima da Oregon, a família dona da lanchonete recebeu uma carta dos proprietários do imóvel anunciando a intenção de vender o edifício. De lá para cá, todos os moradores deixaram o local, que, segundo os antigos locatários, será uma moradia da Yuca, empresa conhecida por comprar edifícios em São Paulo, reformá-los e criar colivings. Mas a Oregon segue funcionando no térreo e tem destino ainda incerto.
"A antiga administração nos mandou procurar a Yuca, mas eles também não conversam conosco. Fica um jogando para o outro e nós não sabemos o que fazer", afirma Jairo. Ele diz que a família esperava alguma negociação por ocupar o espaço há 54 anos. "Queremos sentar para discutir a viabilidade de continuarmos aqui, temos uma história."
Do outro lado do negócio, a startup indicada como a suposta compradora do imóvel diz que não pode comentar sobre negociações em curso, mas afirma que "busca prédios que estão defasados para reformar e operar no modelo de locação residencial de longa duração". Segundo eles, os projetos da empresa buscam preservar a arquitetura original e manter sua conexão com o bairro. Não dizem, porém, se a loja está incluída nesses planos.
Para Jairo, a incerteza na continuidade do negócio é um retrato de Pinheiros, que passa por um intenso momento de verticalização. "Não somos só nós que estamos nessa situação", diz. "Só aqui no quadrilátero tem dezenas de prédios sendo construídos, o que tem acabado com a vida do bairro."
Veronica Bilyk, coordenadora da associação Pró-Pinheiros, que reúne vários coletivos de moradores, analisa que a situação enfrentada pela Oregon se repete em outros imóveis usados por restaurantes, como os que abrigam o Le Jazz e a Cantina Gigio, cujos donos têm sido procurados por diferentes incorporadoras interessadas em construir prédios nos terrenos. "Isso ameaça não só os restaurantes, mas pequenos negócios, como o do sapateiro, da costureira, do cara do carimbo, da papelaria, que acabam sendo varridos", conta.
Um levantamento feito pelo grupo mostra que a região registrou 381 demolições no ano passado e, atualmente, contabiliza 40 empreendimentos em construção. Bilyk, que comandou por cinco anos o restaurante Polska, fechado por causa da pandemia, faz coro à Oregon no que diz respeito às mudanças no bairro. "Existem várias maneiras de uma cidade se verticalizar. O que estamos vendo são processos sem diálogo, sem concessões, é uma régua sendo passada pelas histórias de São Paulo", afirma.
Enquanto não se bate o martelo sobre o mais novo empreendimento do bairro, a Oregon segue funcionando com equipe e horários reduzidos, tentando recuperar o movimento perdido ao longo da pandemia. Na hora do almoço de um dia da semana, ao menos, há certa dose de normalidade por ali —o refrigerante na garrafa de vidro chega geladinho ao balcão, as batatas saem pelando da fritadeira e o generoso hambúrguer mantém a maionese secreta firme e forte espalhada pelo pão.