'O Método Grönholm', peça dirigida por Lázaro Ramos, deixa a comédia engolir a sátira
Em cartaz em SP, espetáculo tem jogo cômico que funciona, mas que se mantém comportado
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Em 2007, Lázaro Ramos participou, como ator, de uma adaptação da peça "O Método Grönholm", escrita pelo espanhol Jordi Galcerán. Agora, 15 anos depois, Ramos retoma o mesmo texto e assina a direção de uma nova montagem, em parceria com Tatiana Tibúrcio.
A nova incursão teatral a partir da mesma peça atesta a força cênica do texto e a sua capacidade de seguir produzindo sentido ao longo do século 21. Não só no Brasil. O texto já foi adaptado para cinema e montado em mais de 30 países desde a sua estreia, na Espanha, em 2003, o que faz de "O método Grönholm" um tipo de fenômeno do teatro atual.
O enorme interesse decorre, talvez, do fato de ela explorar uma situação corriqueira, mas muito reveladora da sociedade contemporânea –toda a ação se desenrola durante uma dinâmica de grupo para o preenchimento de uma vaga qualificada numa empresa. Como sabem aqueles que já tiveram de se submeter a isso, há poucas situações mais patéticas, constrangedoras e, ao mesmo tempo, violentas do que esses processos.
Jordi Galcerán conta que decidiu escrever a peça depois de ler nos jornais o caso de papéis encontrados numa lixeira, na porta de uma rede de supermercados, que continham anotações realizadas durante a condução de uma dessas dinâmicas. As folhas traziam comentários abjetos e preconceituosos que estigmatizavam e ridicularizavam os concorrentes.
O dramaturgo viu ali uma revelação dos ritmos de nossa sociedade, ostensivamente competitiva, individualista, desumana e pronta a descartar aqueles que não se enquadram nela.
Mas, em vez de sublinhar os aspectos trágicos da situação, o autor opta pela sátira. A força da dramaturgia dá a ver que muitas vezes é a comédia quem melhor sabe lidar com a imoralidade cínica do cotidiano.
A montagem atual tira muito bom proveito da comicidade que brota do texto. Sob uma direção competente, o elenco instaura um jogo cômico que funciona e fascina, com atuações acesas e uma viva atenção para o movimento coletivo do texto. A cena se mantém eletrizada —e o público, vibrante, do começo ao fim.
Mas entre uma risada e outra, cresce também um desconforto. O grupo parece satisfeito demais com o mecanismo cômico de alta voltagem. Num piscar de olhos, parecem se desinteressar pela sátira social que também emana da peça, com as conexões entre a situação humorística e a sociedade, a elite empresarial e o mundo do trabalho no capitalismo contemporâneo.
Toda a energia é posta nas piadas, nas tiradas cômicas, nos trejeitos das personagens ou no magnetismo do elenco. Não é pouco, mas a sensação é que há algo negligenciado ali.
No fim da sessão, o efeito humorístico parece ter engolido o assunto. O potencial dos atores em ativar as gargalhadas da audiência sempre anda na frente da vontade de conectar a diversão ao raciocínio crítico. Não por acaso, a peça se desenvolve num ambiente genérico e abstrato, uma sala empresarial que poderia estar situada em qualquer lugar do mundo.
A montagem cria um tipo de deixa "deliciosa" para o gesto cômico, e não mais para a sátira. Toda potencialidade insubmissa ou provocativa da comédia, que aponta o dedo para a vida real, ou mesmo para o público, inexiste ou logo perde intensidade.
A opção parece que é se manter em terreno mais seguro e comportado, próximo daquilo que os antigos chamavam uma comédia digestiva.