Explosão moderninha da Mooca e do Tatuapé entra em hibernação na pandemia
Bares seguem cheios, mas Covid fez casas fecharam e o Juventus entrar em xeque
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Saindo do pavoroso mar de carros, concreto e prédios mal conservados que forma a paisagem com um quê de decadente da Radial Leste, um simpático velhinho dá as boas vindas aos que chegam. Feito de tinta e espalhado numa grande parede, ele é uma caricatura para lá de circense dos moradores daquele bairro da região leste de São Paulo. À frente do personagem está um prato de macarronada. Sim, chegamos à Mooca.
Pintado nos primeiros anos do projeto Distrito Mooca, que quer revitalizar a antiga zona fabril, o grafite apela ao passado de imigração italiana para contrastar a tradição com as ambiciosas iniciativas gastronômicas, coqueteleiras e artísticas que têm atracado por ali há pelo menos meia década.
Hoje, um ano após uma pandemia que castiga brutalmente esses e outros setores, o boom moderninho que tomava o bairro parece ter hibernado. Promessas da era pré-Covid, como a padaria artesanal Casa Levi, a cervejaria Daoravida e o restaurante Borgo Brace, sucumbiram à doença, impondo um hiato à abertura da Mooca para o público além da zona leste —algo que era dado como certo pelo setor.
Dono de dois estabelecimentos-chave do Distrito Mooca, o chef Fellipe Zanuto lamenta a “freada” na tendência de inaugurações do bairro. Ali na região fabril, ele administra hoje os restaurantes Hospedaria e A Pizza da Mooca —até a chegada da pandemia, ele também comandava o Cantina, no Museu da Imigração, que fechou as portas.
“Nós sofremos, com certeza. A cidade inteira sofreu. No caso do Hospedaria, perdemos muitos clientes de empresas, que iam almoçar lá. E nós nunca tivemos uma estrutura forte de delivery, porque a gente gosta de receber as pessoas”, diz Zanuto. Ele estima que, desde a reabertura, a clientela tem ficado cerca de 40% abaixo dos tempos pré-Covid.
Mesmo assim, ele e outros empreendedores da região se mantêm otimistas. É verdade que a Covid-19 desacelerou as inaugurações e diminuiu o fluxo de gente de fora do bairro, mas Zanuto diz que já tem percebido uma nova procura de empresários forasteiros pela região. Eles olham imóveis com intenção de se juntarem ao boom gastronômico dali.
Parte do público mooquense de fato já vem ensaiando uma volta à normalidade —de forma destemida e menos segura do que autoridades e os protocolos sanitários consideram ideais, é verdade.
Num passeio pelas entranhas que rodeiam a avenida Paes de Barros, a principal via do bairro, uma infinidade de barzinhos recebe, à noite, um público considerável, que parece não se espantar com a Covid nem com o inverno.
Alguns estabelecimentos colecionam aglomerações e velhos hábitos permanecem, com música alta e gente amontoada nas calçadas. O copo de cerveja aparece na mão e serve não apenas para molhar a garganta, mas também para justificar a ausência da máscara. Nem parece que estamos na região da cidade em que a Covid mais matou pessoas, proporcionalmente, nos três primeiros meses do ano.
Essa é uma cena que se repete não muito longe dali, um pouco à frente na Radial Leste. Bairro com perfil próximo do da Mooca, o Tatuapé se impõe verticalmente com seus prédios residenciais, que fizeram dele referência em trânsito parado e terreno fértil da especulação imobiliária.
Mooca e Tatuapé também estão unidos pelo perfil de seus habitantes. Os dois são bairros que, antes da Covid, costumavam exportar trabalhadores para outras regiões. Mas com o home office, a população economicamente ativa deles tem passado mais tempo próxima de casa.
Com isso, aumentou o investimento do comércio local em plataformas de delivery e floresceram as dark kitchens —restaurantes que trabalham apenas com entrega. Marcas badaladas de outros cantos abriram unidades ali, caso das lanchonetes Patties, Z Deli e Zé do Hambúrguer e dos nipônicos NKK e Sarumon.
Apesar dos fechamentos e da lentidão nos negócios, essas novidades mostram que a onda moderninha que invadiu Mooca e Tatuapé nos últimos anos pode não ser vencida pela Covid. Assim como o Clube Atlético Juventus, que também espera não sucumbir.
Localizado na rua Javari, o tradicional estádio Conde Rodolfo Crespi não abriga mais filas intermináveis de torcedores em busca dos cannoli. Já o canto apaixonado entoado por um mar de gente vestida de grená se calou, e os atletas, quando jogam, é para a arquibancada vazia. Com a pandemia, o clima festivo foi embora e o estádio adormeceu, mas não sem soar um alarme.
Na rua Comendador Roberto Ugolini, a sede social do Juventus enfrenta uma outra crise, preexistente, que se avoluma com a Covid. A cartela de associados do clube há muito tempo sofre com baixas, que se tornaram mais frequentes desde que imobiliárias começaram a lançar condomínios com piscinas, quadras e academias aos montes na região.
Boa parte da receita do clube passou a vir, então, com o aluguel de seus salões para shows, formaturas e outros eventos —o principal deles tem capacidade para mais de 4.000 pessoas. Mas com a proibição das aglomerações na pandemia, o Juventus se viu sem arrecadação significativa. Chegou, inclusive, a pedir aos sócios remidos —aqueles que são proprietários de títulos e não pagam mensalidade— uma contribuição.
A iniciativa está longe de ser suficiente para sanar os problemas e, enquanto uma solução permanente não chega, o drama juventino continua.
Essa é uma crise que deve ir além da enfrentada pelo comércio e da própria Covid. Andando pelas ruas da Mooca, no entanto, a quantidade de camisas, bandeiras e adesivos com o brasão do Juventus que se vê mostra que, no que depender dos mooquenses, uma vacina para a crise do clube há de ser encontrada.
Quando na Mooca, não deixe de...
• Experimentar um doce italiano na Di Cunto, de preferência os cannoli ou a sfogliatella. A tradicional fica na rua Borges de Figueiredo, 61
• Comer pizza! O bairro é referência no assunto, com pizzarias como a tradicional São Pedro, na Rua Javari, 333
• Visitar o Museu da Imigração, que já serviu de hospedaria, na rua Visconde de Parnaíba, 1.316
• Andar pela rua Borges de Figueiredo para ver as fachadas das antigas fábricas —embora a maioria esteja hoje abandonada
• Quando a pandemia acabar, ver uma partida do Juventus no estádio da rua Javari e depois fazer uma boquinha na Esfiha Juventus
• Também após a Covid-19, ir a uma festa da Nos Trilhos, sobre a ferrovia da Companhia São Paulo Railway
• Ver uma peça no Teatro Arthur Azevedo, projetado por Roberto Tibau nos anos 1950. Fica na av. Paes de Barros, 955