Rua Augusta durante a noite tem bares lotados, poucas máscaras e clima de 'liberou geral'
Região vê renascer a vida noturna durante a pandemia e aguarda a volta das baladas
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São dez da noite de um sábado e dois seguranças de um terreno que em breve será ocupado por um prédio observam a movimentação em uma das esquinas mais cheias da região central de São Paulo —a da rua Augusta com a Peixoto Gomide.
“O governo liberou, né, fazer o quê? Aglomeração é osso, não tiro minha máscara”, desabafa um deles. “Antes a polícia até espantava as pessoas, mas agora só fica ali parada para caso tenha alguma briga”, responde o outro, apontando para uma viatura estacionada na ponta da rua.
À frente dos dois vigias que trabalham nas madrugadas da rua Augusta, as calçadas estão cheias de jovens segurando seus copinhos de plástico sem nenhuma proteção no rosto, em uma muvuca regada a bebida barata e som alto, com pouca ou nenhuma precaução relacionada à pandemia de coronavírus que já matou quase 600 mil pessoas no Brasil.
Mais de um ano após o período mais restrito da quarentena, a rua, ao menos no trecho conhecido como Baixo Augusta —delimitado pela avenida Paulista numa ponta e pela praça Roosevelt na outra—, já deixou de lado o cenário inóspito, ligou as luzes de néon e recupera, aos poucos, a sua reputação noturna.
Há mais de um mês os estabelecimentos de São Paulo já podem funcionar sem restrição de horário e em sua capacidade máxima, desde que mantenham regras como o distanciamento entre as mesas.
A máscara é também obrigatória para todos e fundamental contra a Covid-19, embora seja vista em poucos rostos na Augusta. Esse relaxamento, somado a fatores como o avanço da vacinação e a queda nas infecções por Covid-19, favorecem os cenários vistos agora quando se caminha pela rua do burburinho.
Os pontos mais próximos à Paulista ainda têm movimento tímido e cenas mais típicas dos últimos tempos. O Espaço Itaú de Cinema funciona sem filas, apenas um casal degusta os beirutes do Frevo e o vendedor de livros usados que já é parte da paisagem continua por ali, sozinho, repassando títulos que vão de Kafka a Guimarães Rosa. No BH Lanches, famoso pelas coxinhas, sanduíches e esquentas de baladeiros, chega a ser estranha a visão de um balcão vazio.
Costurando o trânsito e os que batem perna desapressados, entregadores de delivery retiram pacotes dos restaurantes para garantir o jantar de quem ainda permanece em casa. À medida em que se anda em direção ao centro, porém, ficam mais frequentes os baldes cheios de garrafas de cerveja e as garçonetes oferecendo uma mesa na rua.
Basta dobrar as esquinas com as ruas Antônio Carlos e a Matias Aires para alcançar o fervo comandado por restaurantes como o Athenas e Athenas To Go, um de frente para o outro. Do Barban Beer, na segunda rua, sai uma música ao vivo que some entre as vozes das centenas de pessoas reunidas. “Eita, está cheio demais,” uma garota comenta, levando as mãos até a máscara.
Embora alguns botecos clássicos ainda apareçam esvaziados, como o Ibotirama, espaços moderninhos parecem ter recuperado a clientela. Os food trucks do Calçadão Urbanoide, por exemplo, aparentemente passam incólumes à pandemia e contam com filas e mesas ocupadas. Também não há crise no negócio dos "brisadeiros". Os docinhos ilegais, que levam maconha na receita, seguem sendo vendidos em cestinhas por ambulantes ao longo da rua, muitos dos quais aceitando pagamento em cartão.
Na falta das baladas da Augusta, que devem voltar a funcionar em novembro, muitos jovens se abastecem de Corote e Skol Beats em vendinhas e ficam parados em frente a lojas fechadas para socializar. A Blitz Haus, uma das poucas casas noturnas em funcionamento, é exceção —ali, cerca de cem pessoas aguardam na fila para continuar a noite do lado de dentro, onde escutam música alta, mas não podem sair das mesas nem zanzar livremente pelo espaço.
O negócio fica a poucos passos de distância de onde, em novembro, o Studio SP retomará sua programação musical oito anos após ser fechado. Tocada por Alê Youssef, a casa desembarcou na rua Augusta em 2008, na toada dos espaços que começaram a pipocar por ali desde a inauguração do Vegas Club, de Facundo Guerra, em 2005.
Para Felipe Pissardo, mestre em estudos urbanos pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, a chegada desses clubes foi determinante para a mudança da paisagem da rua. “A Augusta sempre foi esse pergaminho que é escrito e reescrito o tempo todo”, afirma, lembrando que, desde a inauguração, em 1897, a via já foi residencial, passou a ser referência no comércio de luxo e, depois de sua desvalorização, se tornou uma área boêmia e repleta de prostíbulos —imagem que habitou por muitos anos o imaginário paulistano.
Foi na década de 2000 que a história começou a mudar, à medida em que o interesse pelo centro da cidade era renovado. A rua chamou a atenção da classe média universitária, espaços como o Clube Outs e o Bar do Netão foram abertos, a vizinha Frei Caneca se tornou referência para o público LGBTQIA+ e o movimento começou a atrair empresários mais endinheirados, que criaram pontos como o Vegas.
“Se você tem pessoas mais ricas indo para um lugar, o preço das coisas muda. Então, em 2010, você vê uma transição maluca, com pessoas da época residencial, do comércio antigo, dos hotéis, das casas noturnas e toda essa gentrificação acontecendo. Os prostíbulos fecham, e as próprias baladas não conseguem se sustentar e são vendidas para incorporadoras. A rua de 2021, com esse processo consolidado, já é outra”, afirma Pissardo.
Para Alê Youssef, que espera que a retomada do Studio SP impulsione outras reaberturas, o que vem pela frente é um processo de atualização a ser descoberto. “A Augusta tem a tradição de ser catalisadora de cenas e de tendências, e a nossa postura vai ser de valorização das expressões culturais ao lado de outros lugares que resistiram e que vão voltar nesse espírito, como o Bar do Netão e a Selva”, diz.
Enquanto a retomada das casas noturnas não acontece e a pandemia não acaba de vez, a Augusta continua sendo aproveitada com seu propósito maior —nas palavras de Pissardo, o de ser uma rua que não é só morada, mas que é feita para ser vivida.
Perto do ponto em que clubes viram a glória há quase duas décadas, três jovens sobem a via carregando uma caixa de som que pretendem ligar na Peixoto Gomide. “Estamos subindo, lá embaixo não está prestando não”, diz um deles, se referindo à praça Roosevelt, onde a rua acaba. Seu amigo tem as mãos ocupadas demais —pelo aparelho de som e pelo copo de bebida— para proteger a boca desmascarada do espirro que veio em seguida.
Noite na Augusta
Athenas e Athenas To Go
R. Augusta, 1.449 e R. Antônio Carlos, 334
Bar do Netão
R. Augusta, 584
BH Lanches
R. Augusta, 1.533
Blitz Haus
R. Augusta, 657
Calçadão Urbanoide
R. Augusta, 1.291
Clube Outs
R. Augusta, 486
Espaço Itaú de Cinema
R. Augusta, 1.475
Frevo
R. Augusta, 1.563
Ibotirama
R. Augusta, 1.236
É o momento de sair?
Apesar da retomada de eventos, especialistas reforçam que o cenário ainda não é dos melhores, especialmente com a circulação da variante delta, mais transmissível.
Quais são os lugares de menor risco?
Priorize locais abertos, onde é possível manter distanciamento de 1,5 m, e com boa ventilação, ainda mais se não estiver com todas as doses da vacina tomadas.
Já é hora do reencontro?
Encontros devem ser preferencialmente entre pessoas que já tenham tomado as duas doses da vacina, privilegiando lugares abertos e com boa ventilação.
Qual máscara devo usar?
O ideal é usar a PFF2 (ou N95) e só retirá-la no momento da alimentação. Se não for dobrada ou molhada, ela pode ser usada durante uma semana, no máximo durante 12 horas por dia. Não opte pela máscara com válvulas, pois ela pode até proteger o usuário, mas não impede a transmissão da doença.