Conheça uma das pioneiras da imigração coreana em SP, que chegou ao Brasil há 60 anos

Hoje com cem anos, professora Baek Ok-bin desembarcou de navio que foi marco dessa leva, em 1963

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São Paulo

Usando vestes coreanas tradicionais, o "hanbok", a professora Baek Ok-bin desembarcava há 60 anos em Santos, no litoral paulista, depois de ter passado 55 dias no mar. A embarcação, que atracou no porto no dia 12 de fevereiro de 1963 vinda da Coreia do Sul, marca o início dessa imigração para o Brasil.

Hoje aos cem anos, Ok-bin foi uma das primeiras daquele país a chegar em solo brasileiro. É também, a mais velha a manter essa memória viva, em uma comunidade com cerca de 35.000 pessoas no país.

Baek Ok-bin, imigrante coreana de cem anos, em sua casa, em Campinas (SP) - Karime Xavier/Folhapress

Não foi uma viagem fácil, diz a coreana. De poucas palavras, muitas vezes prefere que a filha fale em seu lugar durante a entrevista e alterna entre o português e a língua materna.

Na época, Ok-bin tinha 40 anos e viajava junto ao marido e quatro filhos –três homens e uma mulher—, em uma embarcação com outras 17 famílias. Para amenizar o enjoo que sentia com o balançar da embarcação, ela se recorda de ter passado a maior parte da jornada deitada.

Para passar o tempo, começou a escrever um diário, hábito que mantém até hoje. O primeiro relato é do dia 18 de dezembro de 1962, quando o barco partiu da Coreia do Sul.

"Choros tomaram conta do navio quando todos começaram a cantar o hino. A manhã do último dia na Coreia. O brilho do Sol ofuscava a vista. Agora que deixo o meu país, sinto que deixo para trás todo o rancor e infortúnio, que se transformarão em boas lembranças", diz o trecho escrito.

Ela se recorda que o dia estava claro quando chegaram a Santos, às 7h da manhã. "Descemos do navio às 15h, barco esse com quem criamos afeição durante a viagem de dois meses. Mesmo no calor, fiz questão de usar o vestido tradicional para que todos vissem", relatou em 12 de fevereiro do ano seguinte.

De lá, pegaram um ônibus para a cidade de São Paulo, sem saber o que iam encontrar. Primeiro, a família morou em um alojamento temporário para imigrantes. Em seguida, se mudaram para uma casa na Vila Mariana, bairro da zona sul.

Um dos primeiros lugares que visitou na capital, e que ainda hoje é seu ponto favorito, foi a avenida Paulista. Ela se lembra do espanto que sentiu ao caminhar pela via pela primeira vez, na década de 1960, e se deparar com os casarões e prédios que já existiam ali.

Naquela época, a Coreia do Sul era pobre, recém-saído de uma guerra contra a Coreia do Norte, que durou de 1950 a 1953. Lá não existiam grandes edifícios, ela conta. Por causa da pobreza, o governo coreano incentivou a emigração.

Ok-bin já havia imigrado uma vez. Ela nasceu na Coreia do Norte, na cidade de Jeonju e, antes da guerra entre os dois lados eclodir, mudou-se para Seul, a capital do Sul, para estudar em uma universidade, aos 20 anos. Um feito e tanto, pois era raro que mulheres estudassem naquela época. Com a guerra, perdeu o contato com a família, que permaneceu no lado norte.

Crianças passam em frente a tanque na cidade de Haengiu, durante a Guerra da Coreia (1950-53) - AFP

Assim que se formou, Ok-bin trabalhou como professora e dava aulas para o primário. Conheceu o marido, Gue Sun-koh, um médico-cirurgião dono da própria clínica em Seul, por meio de um encontro arranjado.

Foi a formação dele, que morreu em 1997, que ajudou a família a ter prioridade na hora de migrar. Eles escolheram o Brasil como destino com ajuda do relato de um cunhado que tinha viajado ao Brasil pouco tempo antes —e se encantado com o clima mais ameno, sem nevascas.

Baek Ok-bin posa ao lado de uma escultura feita por sua filha, Young-ja - Karime Xavier/Folhapress

Apesar disso, Ok-bin diz que chorava muito no início da mudança. O marido teve de revalidar o diploma de medicina para exercer a profissão no Brasil e até consegui-lo, precisou trabalhar em fábricas. Para completar a renda, a mulher ajudava como costureira em casa.

"A gente vivia em uma classe boa na Coreia. No começo, perguntávamos para o meu pai por que ele tinha trazido a família para cá, sem falar português. Não tínhamos amigos, tinha a barreira de linguagem. A gente reclamava, mas depois nos adaptamos", diz Young-ja, a filha com quem mora.

Mas ela nunca se arrependeu da mudança: aqui, diz, havia segurança e liberdade que não encontravam na Coreia do Sul de então. Junto com a família, ela se naturalizou brasileira.

Hoje a coreano-brasileira divide o dia entre observar o cotidiano pela janela do apartamento onde vive, em Campinas —cidade para onde se mudou há 50 anos—, fazer caminhadas pelo condomínio com o apoio de uma bengala, e ir à igreja católica. Ok-bin reza o terço, sem pular um único dia, assim como faz com o seu diário.