Conheça Luiz Nozoie, que há 60 anos comanda o boteco favorito de chefs em SP

Bar na zona sul de SP viu o público crescer e se renovar depois da pandemia de Covid-19

Homem idoso monta prato com itens frios em frente a prateleira de bebidas em boteco

Luiz Nozoie, 91, serve acepipes no balcão do bar que leva seu nome, em São Paulo Gabriel Cabral/Folhapress

São Paulo

Nas tardes de quarta, ele encontra os amigos para jogar baralho. Uma vez por mês, vai ao clube dançar —antes, era todos os domingos, mas agora as costas já não aguentam. Para compensar, desde o início deste ano, os domingos se tornaram o dia de ir ao Guarujá pescar. Além disso, aos 91 anos, ele ainda dorme nos fundos do bar que abriu em 1962.

Há 60 anos na altura do 1.210 da avenida do Cursino, no Bosque da Saúde, zona sul de São Paulo, o Bar do Luiz Nozoie fez aniversário de um jeito tão animado quanto a rotina de seu dono, que faz sucesso atualmente no mundo da gastronomia.

Entre os fãs do boteco estão chefs badalados como Paulo Shin, do Komah, Thiago Bañares, do Tan Tan, e Matheus Zanchini, do Borgo —este último tem até uma carteirinha sua do Clube Atlético Juventus escondida no meio da memorabilia que preenche as prateleiras do espaço. Mas Luiz não conhece tanto assim o trabalho dos colegas. "Na verdade, eu não saio, não conheço muitos restaurantes. Eles querem que eu vá, mas sozinho não dá", diz.

Há cerca de três meses, o endereço tornou-se ponto de encontro do pessoal da gastronomia nas noites de segunda-feira, por ser o tradicional dia de folga do setor. Para celebrar o aniversário do bar, criou-se uma agenda de chefs convidados, que fica disponível no Instagram da casa e deve se alongar até outubro.

"Cada vez que um cozinheiro vem aqui, outro aparece dizendo que também quer participar", conta Márcia Nozoie, 60, filha de Luiz.

Fachada do Bar do Luiz Nozoie, há 60 anos no mesmo imóvel no Bosque da Saúde, zona sul de São Paulo
Fachada do Bar do Luiz Nozoie, há 60 anos no mesmo imóvel no Bosque da Saúde, zona sul de São Paulo - Gabriel Cabral/Folhapress

Ao ser questionado sobre a programação, ele é sincero. "Para dizer a verdade, eu nem sei quem convida", diz. Márcia explica que eles nem conheciam muitos dos chefs. "Quem sabe mais é o Alexandre [funcionário da casa], que fala: 'olha, ele é dono de tal lugar'. E aí a gente foi criando amizade", conta.

Nos dias de evento, o local fica lotado. Quem chega cedo, senta. Mas a grande maioria do público se espreme no balcão de fórmica branca tentando chamar a atenção da equipe —os pedidos são todos feitos ali. As retiradas, também. Conforme os pratos vão saindo, os atendentes chamam a clientela pelo nome. O clima fica caótico, mas ninguém parece se importar. "É até bonito, parece um balé", comenta Beatriz Falcão, cliente do boteco.

Márcia avalia que, nestas últimas seis décadas, o público se renovou. "A clientela sempre foi de mais idade, com 50 anos para cima. Agora a gente está vendo que a faixa etária caiu, são pessoas de 20 e poucos, 30 anos."

Não que o endereço não chamasse a atenção para além das fronteiras da Saúde antes. A parede de azulejo branco coberta por páginas já amareladas das muitas reportagens que fazem menção à casa é prova disso. "A primeira revista a falar sobre a gente foi a Playboy, nos anos 1980", conta Márcia.

Assinado por Carlos Nucci em 1986, o texto descreve ambiente e menu semelhantes aos encontrados por ali em 2022. Aberta como sorveteria, a casa descobriu a vocação para bar depois de começar a usar a sorveteira para entregar garrafas de cerveja trincando de geladas para a clientela em tempo recorde. E, sim: a sorveteira ainda está à mostra por ali.

"Tudo foi a minha mãe que deixou para a gente", diz Márcia, sobre as receitas. Hoje é ela quem comanda a cozinha e, agora, as redes sociais, após ter começado a trabalhar integralmente no bar em 1986, ano em que a mãe, Shizue, morreu. Além dela, completam a equipe seu marido, Dídio, o sobrinho Fábio, a cunhada Edith e, por fim, Alexandre, único que não é da família.

Prateleiras do Bar do Luiz Nozoie, que completa 60 anos
Prateleiras do Bar do Luiz Nozoie, que completa 60 anos - Gabriel Cabral/Folhapress

Os petiscos frios ficam dispostos dentro de tigelas de vidro sobre o balcão: são conservas, azeitonas, queijos e embutidos vendidos por unidade. A salsicha mergulhada em uma solução de vinagre, cebola e pimenta sai por R$ 1,20, por exemplo.

Mas as estrelas são os frutos do mar, como os vinagretes de polvo (R$ 60), de marisco e de camarão (R$ 50 cada um). Estes saem da cozinha todos os dias. Já outra receita querida da casa, os rollmops, sardinhas enroladas com cebola e pimenta (R$ 4 a unidade), demoram 25 dias para ficarem prontos —e nem sempre estão à mão.

"Nem sempre tem", aliás, é a regra geral para o menu. "Tem coisa que a gente só faz quando dá tempo", justifica Márcia. É o caso das empadinhas de camarão com palmito, do tempurá de camarão ou do bolinho de arroz com calabresa e parmesão. Já o bolinho de milho com queijo estepe é servido a cada duas semanas e custa R$ 4,50 a unidade.

Entre as receitas fixas, o destaque são os rissoles —chamados por ali de pastéis— de carne e de queijo, sempre com uma azeitona preta com caroço junto. São os mesmos que aparecem na reportagem dos anos 1980, quando custavam três cruzeiros. Hoje, a unidade sai por R$ 4.

Para acompanhar, as opções são as batidas de amendoim ou maracujá (R$ 15 cada uma), que ficam acomodadas em garrafas de dois litros. Ou então as estrelas: as cervejas geladas, com preços de R$ 16 a de 600 ml ou de R$ 9 a long neck.

Quem quer visitar o local também precisa estar atento aos horários. De segunda a sexta, o espaço fica aberto das 17h30 às 22h. Aos sábados, das 12h às 17h. Afinal, a vida de boteco dá trabalho, e o seu Luiz precisa descansar —ou ir pescar no Guarujá.

Mesa do boteco, com acepipes, batida e cerveja
Mesa do boteco, com acepipes, batida e cerveja - Gabriel Cabral/Folhapress

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