Ponto Chic, lanchonete que inventou o bauru, completa cem anos
Casa em SP foi ponto de encontro de artistas como Oswald de Andrade, Chitãozinho e Xororó
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Ele nasceu antes de importantes símbolos paulistanos. O edifício Martinelli (1929), o Mercado Municipal (1933), o parque Ibirapuera (1954) e a Catedral da Sé (1954) ainda estavam longe de nascer e de marcar a cidade.
Bem no largo do Paissandu, no centro da capital, o Ponto Chic abriu as portas cem anos atrás —em 24 de março de 1922, engrossando o caldo do circuito boêmio e cultural da cidade e reunindo artistas da Semana de Arte Moderna, ocorrida naquele ano, mas também o antimodernista Monteiro Lobato, jogadores de futebol, jornalistas e estudantes da Faculdade de Direito do Largo São Francisco.
Sob o comando do italiano Odílio Cecchin, a casa não tinha nome na fachada. Mas, por causa da decoração, com azulejos franceses e balcão de mármore, era chamada de lugar chique. "Quem deu esse apelido foi Oswald de Andrade, até que o espaço foi batizado de Ponto Chic", diz Rodrigo Alves, atual proprietário.
"Muita coisa acontecia no Paissandu e no bar. Tinha reunião de formadores de opinião e de líderes políticos. Na Revolução de 1932, chegaram a esconder as armas dentro da geladeira do bar", segue Alves.
Mesmo com toda a tradição, o endereço ficou famoso mesmo anos depois, por causa de uma mistura de pão, rosbife, tomate e queijo. Foi lá e com esses ingredientes que nasceu o tradicional lanche bauru.
O sanduíche foi criado em 1937, quando o aluno de direito Casimiro Pinto Neto pediu ao chapeiro para rechear um pão francês sem miolo com os ingredientes. Quando um conhecido do rapaz, que havia nascido na cidade de Bauru, no interior paulista, chegou ao bar e deu uma mordida no lanche, logo gritou ao garçom: "Traz um desse do Bauru?".
A fama da receita logo se espalhou e o nome "do Bauru" foi parar no cardápio —os ingredientes permaneceram inalterados até 1950, quando foi incluído o pepino em conserva, versão servida até hoje.
Em 1977, quando o centro já vivia uma decadência, Odílio Cecchin teve uma disputa judicial com o proprietário do imóvel. "Ele decidiu fechar a lanchonete, e a notícia se espalhou. Foi aí que meu avô e meu pai, José Carlos Alves de Souza, fizeram uma proposta", conta Rodrigo Alves.
O avô dele, Antonio Alves de Souza, havia sido garçom no Ponto Chic nos anos 1950. Pai e filho estavam montando um restaurante em Perdizes, chamado Passarela, mas mudaram os planos e, em 1978, assumiram o Ponto Chic, lançando também um novo ponto, no largo Padre Péricles.
O endereço no Paissandu foi reaberto só em 1981, mantendo a arquitetura original. "O que mudou foi o salão de bilhar dos fundos, que virou um estacionamento", diz Alves.
Mas o espírito do bar permaneceu o mesmo. "Era comum que jogadores de futebol fechassem ali seus contratos e donos de circos decidissem turnês. A dupla Milionário e José Rico, por exemplo, surgiu no Ponto Chic, que também era frequentado por Chitãozinho e Xororó. Isso sem falar nos encontros políticos e para preparar os protestos para as Diretas-Já", conta Alves.
Agora, décadas depois, a casa ganhou as manchetes por se envolver em outro tipo de protesto —e polêmica— na pandemia. O Ponto Chic se negou a fechar as portas quando as infecções por Covid-19 estavam fora de controle e a prefeitura e o governo de São Paulo determinaram o não funcionamento dos serviços.
"O intuito era abrir um diálogo com o poder público. Sem auxílio para manter os empregos, o setor estava pagando um preço muito alto", lembra Alves, que decidiu abrir duas unidades da lanchonete no último fim de semana de janeiro de 2021, descumprindo os protocolos.
Na mesma semana, o governo do estado afrouxou as proibições, e o estabelecimento não sofreu represálias. Mas, um mês depois, o Ponto Chic viu José Carlos Alves de Souza, o pai de Rodrigo, morrer após complicações da Covid-19.
Antes da pandemia, a lanchonete vendia cerca de 140 mil baurus por ano. No ano passado, foram cerca de 110 mil, o que representa quase 35% dos pedidos entre todos os itens do cardápio. "É o sanduíche mais famoso do Brasil. E o Ponto Chic é um jovem senhor de cem anos. Temos gás para a inovação, mas sem perder hospitalidade e tradição."