Áreas de fumantes são as testemunhas mais imediatas do impacto da música ao vivo
Em meio ao cheiro de tabaco queimado, um isqueiro pode virar amizade
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Não é necessário ser fumante para ter memórias dos cantos mais esfumaçados e malcheirosos de uma casa de shows. Desde que a lei que proíbe o fumo em todos os ambientes de uso coletivo total ou parcialmente fechados entrou em vigor, há 15 anos, estabelecimentos como boates, restaurantes, bares e clubes de música passaram a separar um espaço dedicado aos tabagistas —a famosa área de fumantes.
Nas casas de shows, ela costuma ter vida própria. É onde fumantes e não fumantes costumam se reunir, antes, durante ou depois das apresentações musicais, para confraternizar. Geralmente, é onde se comenta o que esperar de quem vai pegar o microfone, e também onde se desfruta coletivamente a apresentação.
Além do apelo óbvio a quem gosta de fazer fumaça, a área de fumantes costuma ser um ambiente mais propício à conversa. É afastada do som alto que atrapalha ou inviabiliza o papo em relação à área onde acontecem os shows, além de ser bem mais arejada e folgada do que as pistas.
Há casas que praticamente não têm áreas como essas, então essa fatia do público acaba relegada à rua, como no caso do Cine Joia. Há espaços em que é possível ver e ouvir o show mesmo fora do prédio principal, como no clube Juventus, na Mooca, em que um vidro fino separa os tabagistas da pista e do palco. E há casas em que as áreas de fumantes são verdadeiras instituições.
No Espaço Unimed, trata-se de um corredor que corre paralelamente ao espaço da pista, onde dá para entrar pela frente, perto do palco, ou atrás, perto da porta de saída. Essa praticidade no acesso facilita as escapadas durante aquelas duas músicas —a depender do show e da qualidade do papo, até mais— do repertório que o espectador não faz questão de ouvir.
Em apresentações de duas ou três horas, essas pausas se tornam essenciais. Isso porque até as mais confortáveis casas de shows podem ser ambientes claustrofóbicos, a depender da lotação e do clima do dia.
Se o assunto é espaço de convivência, a área de fumantes mais emblemática de São Paulo é a da Audio. O ambiente parece mais um quintal, com plantas, vários bancos à disposição, além de um bar e banheiros próprios. Não é exagero dizer que a maioria dos frequentadores da casa passam mais tempo lá do que na pista do local, usualmente só lotada na hora das performances.
É em meio ao cheiro do tabaco queimado que as epifanias e decepções são jogadas ao mundo. É onde elaboramos a nossa paixão ou o nosso ódio por um artista, e o que ele representa para o mundo ao nosso redor.
É também onde um empréstimo de um isqueiro pode virar uma grande amizade, amor ou desafeto —tudo depende da opinião daquela pessoa sobre o que acabou de acontecer ali dentro, a poucos metros dali.
As áreas de fumantes são as testemunhas mais imediatas do impacto que a música ao vivo pode ter nas pessoas. São as primeiras a ficar sabendo sobre o vocalista que está desafinado e ultrapassado, o baterista de técnica acima da média ou daquela composição que, tocada daquele jeito, fez alguém ver o mundo de uma maneira inteiramente nova.