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Casas de show estão na lanterna da corrida da acessibilidade sensorial

Espectadores merecem ter a experiência mais plena possível

São Paulo

Por que um surdo iria assistir a espetáculo musical? Para que oferecer informações visuais a um cego se ele já escuta toda a música tocada em um show?

O setor do entretenimento começa lentamente a compreender que devemos deixar nossos preconceitos de lado e todos merecem ter a experiência artística mais plena possível da forma que seu corpo pode sentir.

Ou seja, a pessoa surda pode não ouvir os acordes e a melodia de uma canção, mas sente as vibrações da música, especialmente aquelas com batidas e graves mais fortes. Pode gostar de ritmo, poesia, dança ou mesmo do ambiente do espetáculo.

Osesp apresenta-se em na Sala São Paulo. Os músicos concentram-se no centro do palco com suas partituras e seus instrumentos. O ambiente tem iluminação quente e a arquitetura clássica
A abertura da temporada 2024 da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, a Osesp, na Sala São Paulo - Íris Zanetti/Divulgação

Do lado de quem não enxerga, grupo do qual faço parte, muitas vezes deixamos de perceber uma série de detalhes que vão além das notas musicais. Saber se o artista subiu ao palco com roupa social ou bermuda e chinelo, se fica sentado enquanto canta ou dança com animação, toca um ou vários instrumentos ou tem um cenário formado por imagens no telão e efeitos pirotécnicos faz toda diferença na hora de construir a imagem mental do que se passou.

Mesmo assim, a música está no fim da fila das artes quando se fala em acessibilidade, atrás do teatro, do cinema e das artes visuais, nos quais já é rotina encontrarmos sempre algo em cartaz em grandes cidades como São Paulo.

Mas ao menos há sinais de que pode haver uma reação.

O primeiro incentivo parte da legislação, avalia Ana Lucia Mota, fundadora da All Dub Estúdio, que oferece serviços de audiodescrição (descrição de imagens para pessoas com deficiência visual, com frequência via fones de ouvido), legendagem e interpretação para Libras (Língua Brasileira de Sinais).

O Brasil vem ampliando a exigência de acessibilidade em projetos culturais que contam com recursos públicos paulatinamente desde a sanção da Lei Brasileira de Inclusão, em 2015. O efeito logo foi sentido em grandes festivais de música, chegou às apresentações de grandes artistas e, espera-se, deverá ser sentido em breve nas casas menores.

O segundo indutor de mudanças é a maior familiarização com o recurso. Muito disso pode ser atribuído ao sucesso dos intérpretes de Libras durante a temporada de lives promovidas por causa do distanciamento social na pandemia de Covid-19.

A cantora sertaneja Marília Mendonça (1995-2021) foi pioneira no movimento ao utilizar o recurso em dezenas de apresentações online no período. Entender gestualmente aquilo que uma canção diz também pode ser belo e poético para quem escuta.

Não é a toa que conquistaram fama intérpretes como Daniel Monteiro, elogiado por sua expressividade durante o show do The Cure no Primavera Sound em 2023, e Leo Castilho, reconhecido por sua leveza e dança ao ser intérprete do Rock in Rio.

Por colocar o intérprete no holofote, a adoção de Libras também gera ruído em quem não está aberto a outras formas de aproveitar a música.


Em janeiro, uma médica provocou indignação ao publicar postagem em redes sociais pedindo que se retirasse um "tradutor da língua de surdos-mudos do palco" de um show do Jota Quest.

Antes, em julho de 2023, em Teresina (PI), uma intérprete de Libras contratada por empresa local acusou a produção de Gusttavo Lima de pedir que ela se retirasse do palco. À ocasião, a equipe do cantor disse que, quando procurados, sempre permitem a presença dos intérpretes, mas a solicitação não teria sido feita.

Há também iniciativas para criar outras formas de traduzir o som. A experiência de tentar descobrir que gesto pode corresponder a um solo rasgado de guitarra ou a uma melodia sinuosa na flauta vem sendo explorada, por exemplo, em projetos de acessibilidade do Coletivo Desvio Padrão (grupo formado por artistas e especialistas em acessibilidade com e sem deficiência, do qual fiz parte em 2022).

Ainda é pouco. Também cabe questionar a qualidade das interpretações oferecidas. O intérprete e produtor de conteúdo digital Guilherme Felipe Silva, que é surdo, diz que surdos se frustram com frequência em shows por falta de preparo dos profissionais. Em resumo, falta conhecimento da língua e a mensagem fica incompreensível.

A audiodescrição de shows avança ainda mais devagar. A única iniciativa consistente na cidade está em concertos de música clássica e de óperas, principalmente na Sala São Paulo e no Theatro Municipal.

No serviço, os audiodescritores da Ver com Palavras propõem uma iniciação musical básica, descrevendo o que está sendo tocado. Isso ajuda quem não está habituado a diferenciar timbres de instrumentos, nuances de dinâmica e técnicas utilizadas.

Por outro lado, um acontecimento promissor foi registrado no dia 17 deste ano, na inauguração da Arena B3, no centro de São Paulo. Na largada, o espaço já contou com acessibilidade para pessoas com deficiência visual em um show do bossa-novista Roberto Menescal e da cantora Cris Delanno. Ainda é pouco, mas já é um primeiro gol para se comemorar.

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