Documentários resgatam vida e obra de dois grandes arquitetos brasileiros

Impossível contar a história da arquitetura do século 20 no Brasil sem mencionar dois de seus principais pilares: João Batista Vilanova Artigas e Sergio Bernardes. Contemporâneos, Vilanova nasceu em 1915; Bernardes, quatro anos depois. O primeiro fez carreira em São Paulo; o segundo, no Rio. Um era tímido e foi dedicado aos alunos até o fim; o outro tinha o espírito aventureiro e morreu no ostracismo. Na mostra, estão representados nos documentários "Vilanova Artigas: O Arquiteto e a Luz" e "Bernardes".

* Conheça a programação completa da mostra Arq,Futuro

Sergio Bernardes (1919-2002) alcançou o sucesso antes, em um Rio que ainda era a capital do Brasil. Seus projetos, que integravam casas à paisagem, eram disputados a tapa pela elite e rivalizavam com os do mestre Oscar Niemeyer. Para ele, a "não presença" da arquitetura era fundamental. "Que ela assimile o lugar e se junte a ele mimeticamente", ensinava.

Quase um revolucionário em seu tempo, Bernardes pilotava aviões e carros de corrida com a mesma destreza com que seduzia mulheres. Era "workaholic" e "bon-vivant" ao mesmo tempo. Esse estilo de vida é resgatado em depoimentos no documentário homônimo, dirigido por Gustavo Gama Rodrigues e Paulo de Barros, mas conduzido por Thiago Bernardes, também arquiteto e neto de Sergio.

O personagem é apresentado enquanto o filme expõe seus trabalhos, como a Casa da Lota e o Pavilhão de São Cristóvão, que hoje abriga a feira homônima.



Se na primeira parte do longa estão em voga seu trabalho e carisma, na segunda, entra em cena o drama familiar (com uma dolorosa separação) e o conflito após aceitar obras do governo militar, já nos anos 1970. Politizado, mas não político, Bernardes não soube lidar muito bem com o problema.

No final da vida, virou uma figura folclórica, gastou todo o dinheiro em projetos futuristas que não foram compreendidos e até se candidatou à prefeitura do Rio, com resultado pífio (teve menos de 10 mil votos).

Longe da alta sociedade em que Bernardes circulava no auge, vivia o comunista Vilanova Artigas (1915-1985), como mostra o documentário com o subtítulo "O Arquiteto e a Luz", dirigido por Pedro Gorski e Laura Artigas, neta de Vilanova.

Apesar de ter nascido no Paraná, foi em São Paulo que o silencioso Vilanova se formou em engenharia para depois cursar desenho, onde encontrou Alfredo Volpi e conheceu Virgínia, sua mulher. Também foi na capital paulista que Artigas, ao lado de um grupo de amigos, fundou a FAU Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. "Arquiteto não é engenheiro, é arquiteto", comemorava o trupe.

Um dos melhores momentos do longa é justamente quando a câmera passeia pelos corredores da FAU, mostrando suas rampas, a iluminação do teto e outros detalhes, enquanto colhe depoimentos do arquiteto (escolhido para tocar o projeto) e de jovens alunos, quase uma aula em si. Tudo ao som de uma trilha minimalista composta pelos irmãos Garbato, bem ao estilo Philip Glass ou Steve Reich.

Universidade à parte, projetou edifícios que se transformaram em marcas registradas, como o Louveira, na praça Vilaboim, no qual é visível sua preocupação com o urbanismo, e sua própria casa, onde recebia intelectuais e membros do Partido Comunista, como Carlos Marighella. O estádio do Morumbi, do São Paulo, também leva sua assinatura.

Na época da ditadura, passou uma curta temporada no Uruguai. Na volta, sofreu um golpe: foi proibido de lecionar.

Já perto do fim da vida, em 1984, precisou passar por uma banca na faculdade que criou para poder voltar a dar aula. Chamou a situação de "molecagem medieval, mas aceitou". Artigas não vivia sem a FAU, como a FAU não existiria sem Artigas.

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