CRÍTICA: 'Extraordinário' aborda a capacidade de aceitação e de compreender o outro



EXTRAORDINÁRIO (bom) 
(Wonder) 
DIREÇÃO Stephen Chbosky 
PRODUÇÃO EUA, 2017. 114 min. 10 anos. 
ELENCO: Julia Roberts, Owen Wilson e Jacob Tremblay. 
Veja salas e horários de exibição.


Faz tempo que não aparecia por aqui um filme natalino. Um desses tipo "E.T." ou "Esqueceram de Mim". Pois bem, "Extraordinário" é um desses, embora seja bastante diferente desses: ele existe para natais de tempos críticos, em que a capacidade não só de compreender, como mesmo de tolerar o outro (ou diferente), tornou-se por inúmeras razões problemática.

Talvez seja o caso de perguntar no que consiste um filme natalino hoje. Comecemos pelo argumento: Auggie, um menino que, por razões genéticas, tem o rosto desfigurado, chega à detestável ideia de ir à escola, onde terá de encarar novos colegas, que certamente o discriminarão etc.

"Extraordinário" retoma, na esfera do produto infantojuvenil, a linhagem de "Freaks", ou "Homem-Elefante", ou "Marcas do Destino", quer dizer, desses filmes de monstros cuja monstruosidade não está neles, mas no olhar dos outros.

São feios ou defeituosos: quem suporta olhá-los? Auggie, por exemplo, andou o quanto pôde com um capacete de astronauta. Para ir à escola, terá de tirá-lo. Inútil dizer que será vítima de bullying.

O seu não é o único problema. Existe também Olivia, sua irmã. Por um lado, ela se ressente da atenção dada a Auggie pelos pais, tão absortos na tarefa de compensar o filho que parecem esquecer que a garota, como qualquer adolescente, também tem lá seus problemas. Um deles: sua melhor amiga, em determinado momento, passa a ignorá-la sem que ela saiba por quê.

Em suma, não existe aí nada de tão original ou surpreendente. Digamos, no entanto, que a articulação é bem correta e faz muito sentido. Não se trata de, simplesmente, dizer que bullying é uma atitude reprovável, mas de tentar compreender o que faz tão atraente a ideia de excluir alguém, de atazaná-lo, de eventualmente machucá-lo.

Eis o ponto em que o filme é de fato sensível: na percepção de que certos atos são, por vezes, defensivos. Isto é, entramos em uma turma para não ficarmos desenturmados, machucamos (moralmente ou fisicamente) alguém por medo de sermos machucados.

"Extraordinário" toca justamente nesse ponto. Qualquer pessoa sente medo em certas circunstâncias (uma delas: ir à escola ou mudar de escola). Como será acolhida? As razões da rejeição temida são quase infinitas: você tem medo porque é gordo, ou usa óculos, ou não consegue acompanhar as lições, ou está à frente dos colegas na compreensão da matéria. Qualquer coisa serve para alimentá-lo. Não é necessário ser deformado: ele serve como exemplo extremo, só.

Por vezes, o filme é sensível em relação às questões que aborda, por vezes, sentimental, sem evitar o melaço. Não raro confunde-se com um filme de bons sentimentos, mas não poucas vezes espanta pela sutileza da observação.

Também os diálogos vão na mesma batida, oscilando não raro entre o exato e o tolo. Mas, exceto para quem acredita que excluídos devem continuar excluídos, para os profissionais do "politicamente incorreto", esse filme traz à tona algo de um espírito de aceitação mútua que, em algum momento, já caracterizou ao menos isso que se chama espírito do Natal –esse intervalo do ano em que todos nos sentimos próximos dos outros. Ou, enfim, nos sentíamos.


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