"Podem calar as bocas oficiais, mas nunca a poesia. E minha boca é pura poesia. Safada, mas poesia", declama Zizo, personagem vivido por Irandhir Santos, em praça pública. É ele o poeta que desenrola a trama do novo longa dirigido por Cláudio Assis, "Febre do Rato"
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No filme, que estreia nesta sexta-feira (22), Cláudio Assis, também responsável pelos polêmicos "Amarelo Manga" (2002) e "Baixio das Bestas" (2006), faz da poesia a protagonista.
No longa, o personagem Zizo produz um fanzine, que leva o nome de "Febre do Rato", expressão nordestina usada para designar quem está fora de controle.
A publicação é toda escrita, editada, distribuída e financiada pelo poeta. Anarquista e libertário, Zizo percorre, de carro, as ruas de uma Recife em preto e branco, com um microfone à mão, declamando poesia e sendo ovacionado.
Em seu fiel grupo de amigos, formado pelas figuras mais distintas possíveis --entre elas um travesti, jovens e senhoras com mais de 40 anos--, surge Eneida (Nanda Costa), que deixa Zizo em desamparo.
CONFIRA ABAIXO A ENTREVISTA COM O DIRETOR:
Guia Folha - De onde vem tanta poesia?
Cláudio Assis - Ela vem da abstração. Vem de você dizer assim: "vai ficar tudo certo, não é errado, não". Ela vem com desamor, desencontro... é uma fadiga. É uma coisa generosa. A função do cinema é a contemplação. Contemplação da feiura, da beleza, do esgoto, da palavra, do sentimento. Respeito. Cinema é respeito. Cinema que é igual é uma merda. É Hollywood. É Rede Globo, SBT, Edir Macedo. Tô cagando. O cinema é atitude. E tem que ter atitude, senão a gente não vai construir uma nação.
Por que optou por filmar em preto e branco?
No preto e branco você não vai ver o Recife nojento como ele tá, você vai ver o Recife poético. O preto e branco ajuda a contar, você tem que saber extrair. Walter [Carvalho, diretor de fotografia do longa] já é foda, em preto e branco, então.
Você é chamado de maldito, de polêmico. Vê alguma semelhança do seu cinema com o cinema marginal?
Marginal somos todos nós. Marginal alternativo? De quem? Independente de quem? A gente é dependente, a gente é marginal, a gente é tudo que tão dizendo. Mas eu não me vendo, não. Eu não sou violento, eu amo. Eu amo as pessoas. Por que eu matei um boi? Eu não matei boi nenhum, o boi tava lá, eu só filmei o boi. Poesia é quando você vê de novo. A poesia nunca é quando você olha a primeira vez. Você nunca lê um poema e entendeu tudo que ele tá dizendo. Quando você lê de novo, quando você tá amando, aí você lembra e... caralho! É uma releitura, eternamente. É uma busca. E o cinema só se presta quando é isso. Cinema de crime? Tô fora.
Você disse que pretendia fazer um filme infantil. Tem outros projetos em mente?
"Piedade". Ninguém tem piedade de ninguém, a vida é uma coisa impiedosa. Tubarão come surfista, o homem invade o pré-sal. É o mar invadindo a terra, e a terra invadindo o mundo. E o outro projeto chama-se "Big Jato", meu e de Xico Sá esse. É um caminhão que vai limpar a merda do mundo. Onde as pessoas são iguais? Você não é igual a ninguém, você é igual é na merda. Mas não é escatológico. E o prefeito? Esse que vai usar bastante.
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