Fui preso por vadiagem, diz Ney Matogrosso, que vive bandido no cinema

Crédito: Eduardo Knapp/Folhapress

Ney Matogrosso se consagrou primeiro como cantor, especialmente com a banda Secos & Molhados (1971-1974) e a posterior carreira solo. Mas desta vez o músico chega às telas de cinema de São Paulo para interpretar o famoso criminoso brasileiro João Acácio Pereira da Costa, mais conhecido como o Bandido da Luz Vermelha. "Luz nas Trevas - A Volta do Bandido da Luz Vermelha" entra em cartaz nesta sexta-feira (11).

E, de alguma forma, Ney se identifica com o personagem. "Eu fui preso no Rio de Janeiro uma vez por vadiagem, porque eu não tinha dinheiro no meu bolso. A polícia queria era dinheiro e eu não tinha", conta em entrevista ao "Guia". "Foi horrível, porque eu passei a noite sendo ameaçado pelo delegado de plantão, dizendo que ia me jogar pros presos fazerem de mim o que quisessem", completa o artista.

Ney encarna o protagonista que, em "O Bandido da Luz Vermelha" (1968), ergueu o cinema marginal brasileiro. O diretor Rogério Sganzerla (1946-2004) deixou um roteiro com uma espécie de continuação da história, retomado por sua mulher Helena Ignez, que fez o convite ao ícone da música nacional.

"Na verdade esse tipo de coisa [a construção do papel] a gente vai buscar é dentro da gente. Primeiro o fato de estar dentro de uma prisão, como era de verdade aquilo em que a gente estava. Eu acredito que as energias de quem passou por ali estão ali".

Mas essa não é a primeira vez que o cantor trabalha com cinema. Ele já participou de outras três produções e, depois de "Luz nas Trevas", já atuou em um curta chamado "Gosto de Céu", de Beto Bezan, além de uma participação no último filme de Domingos de Oliveira, ainda em finalização, "Primeiro Dia de um Ano Qualquer".

Informe-se sobre o filme

ABAIXO, ASSISTA AO TRAILER E LEIA ENTREVISTA COM NEY MATOGROSSO:



Guia - Como foi dar continuidade ao trabalho de Paulo Villaça (que interpretou o Bandido da Luz Vermelha em 1968)?
Ney Matogrosso - Olha, eu não pensei nesses termos. O Paulo Villaça é o Paulo Villaça com tudo que ele sabia fazer: com o estilo, com a voz, com o físico dele. Eu fui fazer outra coisa. Eu fui fazer uma outra história que seria a continuação daquela história. Mas em nenhum momento eu me coloquei, assim, em confronto, nem preocupado em ser mais ou menos. Eu me preocupei em fazer e colocar o meu entendimento do personagem no filme.

Como foi feita a construção do papel? Você se inspirou em outros assassinos?
Não, eu não me inspirei, não [risos]. Na verdade esse tipo de coisa a gente vai buscar é dentro da gente. Primeiro o fato de estar dentro de uma prisão, como era de verdade aquilo em que a gente estava. Pra você refletir sobre aquilo, e eu tenho uma coisa assim, eu acredito que as energias de quem passou por ali estão ali. Eu me colocava aberto para perceber, para meus sentidos ficarem aguçados e aquilo se aproximar de mim e eu poder reproduzir aquelas sensações. Meio mediunidade, mas sem ser. Eu não sou um médium, mas a maneira de explicar o que eu sinto é assim.

Você já esteve preso alguma vez? (o personagem vivido por Ney passa grande parte do filme dentro da prisão)
Eu fui preso no Rio de Janeiro uma vez. Eu fui preso por vadiagem, porque eu não tinha dinheiro no meu bolso. A polícia queria era dinheiro e eu não tinha. Eles me prenderam e me deixaram uma noite numa cela, durante a ditadura.

Crédito: Daryan Dornelles/Folhapress

Como foi essa noite na prisão?
Horrível, porque eu passei a noite sendo ameaçado pelo delegado de plantão, dizendo que ia me jogar pros presos fazerem de mim o que quisessem e que no dia seguinte ia chegar um delegado, me pegar pelos cabelos e me jogar contra a parede e que iam me torturar e não sei o quê. Isso porque eu era cabeludo e minha calça era apertada. Eles odiavam os cabeludos. Foi a única vez que eu usei o recurso de falar do meu pai, que era militar. Aí eu disse 'olha, vocês vão fazer comigo o que vocês quiserem, agora vocês saibam que quem comanda o Brasil são os militares e o meu pai é militar'. Eu só não disse que meu pai morava em Mato Grosso.

Você se identificou, de alguma forma, com o Bandido?
Sim, porque você chega na mão dessa gente e é uma exorbitância. Eles extrapolam todos os poderes deles e você passa a não ser nada, não ter direito algum. Eu conheço isso e foi útil essa passagem para talvez até criar o meu personagem dentro do presídio. E tem um texto exatamente de revolta a isso tudo, de contestação. Então foi muito interessante, eu voltar 45 anos depois, estar dentro de uma cela e poder falar o que eu penso deles.

Você assistiu ao "Bandido da Luz Vermelha" na época do lançamento? O que você achou do filme?
Assisti. O filme foi um estrondoso sucesso e eu gostei.

Te inspirou de alguma forma, naquela época?
Na vida? Não, a minha vida já era solta, eu já tava solto. Eu já tinha abandonado o serviço público e tava começando a viver minha vida por aí, solto, como hippie vivendo do que eu produzia. Foi a experiência mais enriquecedora da minha história.

E quando começou na música?
Cantei pela primeira vez em Brasília, mas eu não achava que seria músico. O que eu buscava era teatro, eu queria ser ator. Eu achava que era ator. Fiz três peças antes de virar cantor.

O que você achou do resultado de "Luz nas Trevas"?
Eu gosto. Acho diferente. Acho pop. Muitas referências, formato todo picado, fragmentado. Não sei como baterá para uma massa, mas eu acho muito interessante.

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