"Entrando numa Roubada" é o primeiro longa-metragem do diretor André Moraes, que é também responsável pelo roteiro.
Na trama, um grupo de amigos lança um filme de sucesso, dirigido por Walter (Lucio Mauro Filho), roteirizado por Vitor (Bruno Torres) e estrelado por Laura (Deborah Secco) e por Éric (Julio Andrade). O problema é que o produtor, Alex (Marcos Veras), embolsou o lucro para abrir uma igreja evangélica.
Depois do golpe, os colegas caem em decadência. Decidem fazer um novo filme, uma trama sobre vingança. Como não têm dinheiro para a produção, Walter e Éric traçam um plano arriscado para rodar o longa com cenas verídicas: os atores realmente assaltam postos de gasolina nas estradas.
Apesar da história fraca, o filme se destaca por usar metalinguagem e humor negro e pelas técnicas estéticas (há cenas mais hollywoodianas e outras com animação).
Os comediantes Lucio Mauro Filho e Marcos Veras encarnam figuras dramáticas.
"O humor está nas entrelinhas", opina Veras. "Mas o Alex não deixa de ter humor, porque as pessoas riem do quão absurdo ele é".
Para Mauro Filho, o papel foi um respiro depois da série "A Grande Família", que ficou no ar por 14 anos. "Acho que o Walter é o personagem mais difícil que já fiz. Apesar de ele ter falas engraçadas, ele não é um tipo escrachado, que é o que eu vinha fazendo".
Julio Andrade também encarna um personagem intenso: Éric, o responsável por traçar o plano de vingança contra Alex. "O projeto foi muito legal, de fazer um filme dentro do filme", diz. "O longa era para ser mais solto, mas acreditei no personagem e nessa vingança que ele planejou. Até costumo brincar que antes o filme era uma comédia, mas quando entrei virou um drama".
Veja abaixo entrevistas com André Moraes, Deborah Secco, Lucio Mauro Filho e Marcos Veras.
DEBORAH SECCO
"Guia" - Nos seus últimos papéis no cinema, você passou por transformações para viver, por exemplo, a Bruna Surfistinha e a Judite, em "Boa Sorte". Como foi a preparação para a Laura?
Deborah - Eu engordei 17 kg, mas acho que foi o filme que menos fiz uma preparação. A personagem não era tão densa, com tantas nuances. Eu só queria que ela fosse uma mulher estragada pela vida, que os anos de fracasso pesassem nela. Eu queria estar mais gordinha, mais inchada para não aparentar uma pessoa 100% feliz, porque ela está mal com ela mesma.
Como foi o convite para participar do filme?
Eu estava fazendo "Bruna Surfistinha" quando o André me procurou e me contou esse roteiro louco. E eu sou muito fã dele, já há alguns anos. E o projeto era uma coisa diferente do que eu vinha fazendo como atriz, com certeza era um território não conhecido por mim. E essas eram as escolhas que eu vinha fazendo, sempre buscando territórios que não me levassem para a minha zona de conforto. Sabia que não ia ser um filme com grandes emoções artísticas para mim, porque não era uma personagem tão densa quanto as outras. Mas achei que era um respiro bom para minha carreira artística.
Você interpreta uma atriz. Como foi fazer um filme sobre a sua profissão?
Foi muito difícil interpretar uma atriz. É uma metalinguagem, né? Tentei fugir de tudo que era meu, não fazer nada do que eu faço como atriz. E acabei copiando um pouco os colegas, as bobagens que a gente faz mas acho que o filme sublinha isso muito bem e os personagens não ficaram muito caricato.
E o filme fala sobre a dificuldade da carreira.
Sim, é muito legal. Fala da dificuldade de se produzir arte.E é uma crítica correta. Eu tinha muita vontade de falar disso.
LUCIO MAURO FILHO
"Guia" - Você vem de uma família de atores. Como foi a experiência de fazer um filme sobre um filme?
É muito legal essa brincadeira de fazer filme dentro do filme. Tanto que fiz com meu pai [o ator Lucio Mauro] uma peça dentro da peça ["Lucio 80-30"], que era sobre nós mesmos, contando a história de nós inventando uma montagem. Para você ver como eu gosto desse tema. E conheci o André [Moraes], por intermédio de Guel Arraes e de João Falcão, que sempre brincam com metalinguagem. Na peça "Lisbela e o Prisioneiro" (de 2000), a gente brincou com cinema, porque a história que acontece na tela também acontece com Lisbela e Leléu. André fez a trilha sonora do filme, que é um dos grandes trabalhos dele. Mas isso é um baita baú de histórias, super bom. Só no nosso trabalho, temos uma bíblia de histórias, e tivemos isso aqui no filme.
Você participou de "Saneamento Básico - O Filme", que também é um filme sobre cinema. Foram experiências diferentes?
Esse é do Jorge Furtado, mais outro dessa turma. É fantástico trabalhar com ele. O filme já estava rodando e fomos tomar um vinho. E eu falei "me leva pra fazer uma ponta no seu filme". Ele disse "mas uma ponta, Lucio?". Eu falei "é, você não me chamou para o elenco principal, me deixa fazer uma ponta". [Risos] Passamos um fim de semana maravilhoso, aprendendo. Imagine estar num set com Paulo José, Tonico Pereira... e à tarde, quando terminavam as gravações, a gente ia tomar um vinho, e o Paulo José ficava tocando um piano que a Fernanda Torres levou para lá. Isso é uma universidade, para qualquer ator, de qualquer idade, com qualquer experiência. É uma aula mesmo. E voltamos ao mesmo assunto, são pessoas que falam da própria vida, da própria arte.
Em "Vai que Dá Certo", o seu personagem também virou criminoso por uma causa "quase" nobre. Quais são as principais diferenças e semelhanças entre esses personagens?
É verdade, eu não tinha feito essa relação. O "Vai que Dá Certo" é escrachado e meu personagem lá é um tipo, eu queria criar um tipo, que é minha praia mesmo. Mas em "Entrando numa Roubada" tive mais preocupação com o texto. Até porque o Walter tem alucinações no filme, então ele não podia ser um tipo, porque ia ficar muito exagerado. A minha preocupação foi mesmo percorrer o drama do personagem. Acho que foi o meu papel mais difícil, pois ele é dramático, mas ele tem falas engraçadas. Mas cortamos cenas de palhaçada no filme porque percebemos que, se tudo fosse engraçado, o público não acreditaria nessa vingança dos personagens.
O Walter é um personagem diferente para você, ainda mais depois de ficar tanto tempo em "A Grande Família".
Pois é, o Tuco era sempre muito contido. Ele me jogou em um terreno complicado. E era de propósito, porque eu estava vindo do "Zorra Total", onde eu interpretava uma bicha louca, um personagem muito caricato. Então o Tuco foi ótimo para isso, mas eu não imaginava que aquele negócio ia durar 14 anos. A gente fechou, no começo, 12 episódios para comemorar a outra "Grande Família" [dos anos 1970]. Era essa a proposta. E a gente fez 500 episódios. Eu fiquei 14 anos fazendo o mesmo personagem. E não dava para desvirtuar no meio, pois aquela era a essência dele. O Tuco era um garoto que não podia crescer, então lá estava eu chegando aos 40 anos, ficando careca, tendo que dar uma de garoto.
MARCOS VERAS
"Guia" - O seu personagem em "Entrando numa Roubada" é um pastor. E o filme só mostra o lado ruim dele, que é ele falando com os funcionários da igreja para arrancar dinheiro de fiéis.
Sim, o Alex mostra sempre o lado ruim dele. E precisava ser assim, esse era o objetivo, até porque a vingança contra ele tinha que ter coerência.
Você vê o Alex como vilão?
Sim, ele é o vilão. Ele representa o extremo do sentimento de vingança, de ambição... que, na verdade, qualquer ser humano tem em uma certa quantidade. Qualquer personagem ali tem as suas vilanias, as suas maldades. E todos nós, seres humanos, já tivemos a vontade de se vingar de alguém, de fazer uma besteira. Mas através do nosso caráter, a gente sabe dosar, temos o filtro. Só que o Alex não tem esse limite, esse escrúpulo. Ao contrário dos demais, que se sentem culpados em algum momento, ficam na dúvida do que fazem... O personagem do Lucinho [Mauro Filho] fala "não sou criminoso, não vou matar ninguém". Acho que o filme mostra o lado vilão que todo mundo tem, mas o Alex é o extremo disso. Ele usa a ambição para o pior lado, que é cada vez mais poder, mais dinheiro, ele abusa da fé das pessoas, ludibria as pessoas. Ele não tem família, amigos, ele é cheio de problemas. E ele traiu os amigos por dinheiro, fama, poder. É um cara extremo; qualquer pessoa teria raiva e vontade de matar esse cara. Não que seja certo, mas é o primeiro impulso.
Como foi mudar da comédia para um vilão que não faz uma graça escrachada, que usa o humor negro?
O humor desse filme está nas entrelinhas. É pela história de cada personagem, e não pela piada pronta. O Alex é um personagem dramático. É diferente do que venho fazendo na TV, no cinema, no teatro... e dos últimos papéis que fiz, esse é o mais dramático. Mas ele não deixa de ter um humor, porque ele tem ironia, deboche, e as pessoas riem do quão absurdo é o que ele diz e o que ele faz. E a gente, na vida, também ri. Se a gente ligar a TV de madrugada, a gente vê esses pastores bem-humorados, com poder de persuasão enorme, carismáticos... e você acaba rindo. Isso é comum nos líderes. Todo cara que lidera tem um poder sobre as pessoas. Eu quis mostrar através do Alex que ele pode ser carismático. Mas não nos preocupamos em fazer humor.
Nos últimos dois anos, você tem feito filmes. Como foi a mudança do teatro para a internet e depois para o cinema?
Tudo começou com teatro. Sou ator há 14 anos; o teatro é minha base, minha escola. Depois veio TV e internet, mais ou menos juntas. E sempre tive vontade de fazer cinema e era a única mídia que eu ainda não tinha entrado. Em 2013, pintou a oportunidade de fazer o "Copa de Elite", já como protagonista. E foi muito legal porque entrei já com pé direito, gravando todo dia. Junto com "Copa", veio o convite do André Moraes pra fazer "Entrando numa Roubada". Foi ao mesmo tempo. Foi loucura para filmar... a minha entrada nesse filme é mais pontual, então tive menos diárias. Em três dias, tive quatro ponte aéreas. Foi uma loucura que valeu a pena. Depois teve "Vestido pra Casar", "Entre Abelhas"... agora em outubro, devo fazer um filme com a Ingrid Guimarães, tem projeto para o ano que vem. Já me apaixonei pelo cinema.
ANDRÉ MORAES
"Guia" - Você começou no cinema como compositor. Depois, dirigiu curtas e clipes e atuou. Como foi essa transição?
Foi natural para mim porque meu pai é diretor e minha mãe é produtora. Nasci em uma família que só fala de cinema, desde o dia que nasci até hoje. Cresci indo a pré-estreias, filmagens... então minha vida é cinema. Eu sou o contrário das outras pessoas. Às vezes me falam "pô, que legal, você trabalha com cinema". E eu acho legal quando a pessoa é, sei lá, engenheira. Para mim, é normal vir do cinema. Sempre quis ser diretor. Mas quando era jovem, minha família não tinha muito recursos para eu poder estudar cinema, e o Brasil também ainda não tinha cursos bons. Eu decidi fazer essa linha, de começar pela trilha sonora, porque sou músico. Toco violão desde os seis anos. E pensei que, se um dia eu me sentisse pronto para dirigir, eu faria um filme. Quando o projeto foi aprovado no edital do MinC, vi que a hora certa para dirigir tinha chegado.
Como foi o desenvolvimento do roteiro? Como teve a ideia para o filme?
A primeira ideia veio da metalinguagem. Queria fazer um filme sobre uns caras que acharam que tinham arrebentado no cinema, mas que dez anos depois estavam na pior, fazendo bicos, com carreiras difíceis como animadores de festa infantil. E isso acontece muito. E aí eles usam os meios mais loucos pra fazer um filme, como roubar.
O visual do filme é legal. Tem cenas bem hollywoodianas, depois tem uma câmera quase no estilo documentário. Tem também algumas partes com animação. Como você decidiu o uso desses recursos?
No início, a gente precisava dar a imagem que o filme que eles fizeram foi muito grande, que não era "furreco". E foi difícil. A gente usou cenas hollywoodianas e uma música grave para poder dar a impressão de explosão. Não estou comparando, claro, mas é uma coisa meio "Tropa de Elite", meio "Cidade de Deus", que foram filmes grandes aqui. Aí depois entra numa coisa meio documental e mais fria, com cores fracas, que é quando o Éric conta a história deles. A partir do momento que eles entram na estrada, vira uma loucura geral, tanto deles quanto do Walter, que tem alucinações. Aí o filme começa a esquentar: fica mais amarelo, mais preto, mais denso... precisou dessa mudança de cor para dar calor ao filme. Quanto às animações, é porque sou muito fã de quadrinhos. E acho que o filme tem muito a ver com cultura pop. Quis reforçar isso com os gráficos. E a trilha sonora acompanha muito isso; ela vem com força total.
Para fazer que o humor negro funcione, é preciso bons atores. Como foi a escolha do elenco?
A minha escolha começa com Lucio Mauro Filho, que é meu parceiro. O Walter foi escrito para ele; eu queria criar um papel que ele nunca tinha feito. O personagem é engraçado, mas não é piadista. É um cara mais sério, decadente. Eu já estava paquerando o [Marcos] Veras há muito tempo. Ele estava na correria, e combinamos um encontro no aeroporto, para você que a vontade de trabalhar juntos era grande. Mas eu não escrevi o Alex pensando em um ator, e sim em um pastor. E aí, achei que o Veras seria ótimo no papel. Deborah [Secco] também é parceira há muitos anos. E é curioso você ver a Deborah no papel, porque tudo deu certo pra ela como atriz, mas ela interpreta uma atriz para quem tudo dá errado. O Bruno [Torres] é meu irmão, mas nunca tinha trabalhado comigo com ator, só em projetos que fiz a trilha e ele atuou. Tonico Pereira, a mesma coisa. A escolha dele tem a ver com meu pai, que morava em Brasília, e o Tonico sempre ficava na casa dele. Então, é um elenco de irmãos, de tios e isso foi muito positivo para o filme. Todos estavam focados no filme como um todo e não só nos seus personagens. E o cinema só funciona assim.
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