Um dos grandes pecados do cinema comercial moderno é a submissão cega a manuais de roteiro. Isso tem tornado os filmes tão mecanizados, pré-calculados, que por vezes o espectador é capaz de perder a atenção na cena mostrada e passar a visualizar mentalmente o roteirista editando o próprio script.
Nesse sentido, são bem-vindos longas que tentem fugir às regras consagradas e criar um roteiro com uma estrutura menos tradicional. “A Vida em Si”, escrito e dirigido por Dan Fogelman, investe em idas e vindas temporais e no deslocamento geográfico como forma de subversão ao modelo clássico. Mas o resultado é uma obra tão sem unidade e carente de foco que seria melhor que ele tivesse insistido nas fórmulas canônicas mesmo.
A trama é dividida em cinco capítulos, mostrando vários personagens, em locais e épocas diferentes, mas todos ligados a um evento chave: o atropelamento de uma mulher grávida. Ficamos conhecendo o marido dela, Will (Oscar Isaac), sua terapeuta (Annette Bening), a própria gestante (Olivia Willde), um garoto que testemunha o acidente (Àlex Monner), seu padrinho (Antonio Banderas), entre outros.
Fogelman, criador da série “This Is Us”, tenta incluir temas demais na história. Quer discutir a noção de heroísmo, falar de crises conjugais, abordar traumas de infância, apresentar questões relativas ao senso de honra própria e ainda filosofar sobre a natureza das narrativas. Mas não há margem suficiente para desenvolver nenhuma das ideias: são todas desperdiçadas.
Aqui ou acolá, o filme consegue alguma cena de fato graciosa —como quando o casal vivido por Isaac e Wilde vai a uma festa à fantasia vestido de John Travolta e Uma Thurman em “Pulp Fiction” (1994). Ou quando um avô, com pena da netinha órfã, promete que ele nunca vai morrer. Mas no geral (e sobretudo o longo trecho passado na Espanha), o filme é xaroposo e cansativo.
Há certa beleza na mensagem: a de que somos todos um, a continuação de nossos pais, avós, bisavós... até chegar a Adão e Eva. Mas o lirismo da ideia está a meio passo da pieguice, e Fogelman não parece ter muito medo de ultrapassar a fronteira, aliás, faz isso com folga. E busca um final edificante.
Se “A Vida em Si” tenta escapar do manual de roteiro, não se esquiva de se aproximar de um de autoajuda.
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