Veja a história do Chic Show, lendário baile de SP que ganha filme e nova edição no Festival In-Edit

No sábado (17), Cinemateca exibe documentário sobre evento de música negra que marcou a cidade

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São Paulo

Nas décadas de 1970 e 1980, uma movimentação tomava os quatro cantos de São Paulo de tempos em tempos. De dia, salões de beleza ficavam cheios, com cabeleireiros que se dividiam entre o cuidado com os penteados black power e a venda de ingressos para um evento disputado. Mais tarde, perto das 21h, ônibus circulavam pela cidade com jovens de roupas novas e sapatos mocassim de bico fino, comprados depois de meses de economias.

O ponto em que desciam era o mesmo: o que parava o mais próximo possível da sede do Palmeiras, na Água Branca, na zona oeste, onde mais uma edição do baile Chic Show, que movimentou a juventude e a música negra paulistana por anos, iria começar.

Nelson Triunfo, importante nome da cultura hip-hop, se apresenta em edição da Chic Show de 1978
Nelson Triunfo, importante nome da cultura hip-hop, se apresenta em edição da Chic Show de 1978 - Penna Prearo/Divulgação

"As filas abraçavam o clube e a rua Turiassu ficava tomada de gente. Dava muito trabalho colocar todo mundo para dentro, era como se fosse um jogo de futebol", lembra Luiz Alberto da Silva, o Luizão, que criou o baile quando ainda era adolescente.

Cinco décadas depois, o movimento que viveu seu auge até a década de 1990 ganha um documentário homônimo produzido pelo Globoplay que estreou nesta quarta (14), na abertura do festival de documentários musicais In-Edit, no CineSesc. Ele também será exibido na Cinemateca Brasileira, no sábado (17) —na ocasião, o evento também fará uma edição do baile, produzida por Luizão, no local.

Do lado de dentro do clube, a festa acontecia em meio a duas arquibancadas e uma pista grande. Seguia até o dia amanhecer, com discotecagem em vinil e shows de artistas como Tim Maia, Gilberto Gil, Jorge Ben Jor, Sandra de Sá e até James Brown e Earth Wind & Fire —curadoria que ajuda a contar a história da difusão de gêneros musicais como o rap, o samba rock, funk, o soul e o pagode em São Paulo.

"Depois que todo mundo entrava, aquilo parecia um cobertor humano que flutuava. Você via aquele caldeirão fervendo, o som batendo muito forte, e o pessoal dançando a noite toda. Era um mundo mágico, uma farra incrível", lembra o empresário.

Semanalmente, a Chic Show chegava a fazer 12 bailes para cerca de 2.000 pessoas espalhados pela cidade, as chamadas domingueiras, e um grande encontro no Palmeiras a cada três meses. O último, segundo Luizão, era um acontecimento especial.

Além de agrupar o público dos bailes menores, era um momento de afirmação e liberdade daquela juventude que sofria com o racismo, a violência policial e a ditadura militar. Tudo isso em local tradicionalmente branco.

"Nós organizávamos um baile de pessoas negras, e o Palmeiras reunia a elite branca de São Paulo. Entrar no clube, para nós, era como pisar em um palácio imperial", afirma Luizão.

Durante os anos em que foi sede dos bailes da Chic Show, que chegavam a reunir 20 mil pessoas por edição, o Palmeiras passou de um lugar onde a entrada de pessoas negras era rara, segundo Luizão, a uma instituição que usava o lucro daquelas noites para pagar salários de jogadores e contratações de craques.

Cartaz do baile Chic Show que recebeu o cantor James Brown em SP, em 1978
Cartaz do baile Chic Show que recebeu o cantor James Brown em SP, em 1978 - Reprodução

Emílio Domingos, que dirige o documentário sobre o movimento ao lado de Felipe Giuntini, diz que a história do filme, assim como a da Chic Show, vai além da música: é também um retrato do que era ser negro no Brasil daquela época e de uma empreitada tão simbólica que acabou se tornando parte do imaginário paulistano.

"Aqueles bailes foram uma forma de afirmação da identidade negra em uma São Paulo hostil, quase como um rito mensal que teve um papel de formação de uma juventude inteira", conta. "No filme, muitas figuras importantes se referem ao Luizão como um segundo pai, alguém que se tornou referência de um negro bem-sucedido para várias gerações que depois se tornariam bem-sucedidas também", diz Domingos, que entrevistou nomes como Jorge Ben, Gil, Sandra de Sá, Mano Brown e Emicida para o longa.

"A Chic Show fez o que parecia impossível para o negro de São Paulo daquele tempo. Deu a ele músicas e shows que ele gostava de ouvir em um grande baile, dentro de um grande clube", afirma Luizão. As festas também ajudaram a atualizar a música da época, sendo os primeiros palcos de nomes que passariam a integrar o movimento conhecido como o Pagode 90, como Péricles, Thiaguinho e o grupo Soweto de Belo.

Domingos lembra que a Chic Show criou um circuito musical paralelo ao mesmo tempo em que dialogava com o mainstream, lançando discos em parceria com gravadoras e tocando um programa de rádio. "Eles viraram quase que uma indústria da música", diz.

Hoje, Luizão tem planos de retomar os bailes adaptados para os novos tempos com o impulso esperado com o lançamento da produção.

"A gente está muito feliz de conseguir fazer esse registro, porque pouca gente apontou a câmera para aqueles lugares naqueles tempos. Há uma lacuna, que é um problema do Brasil enquanto um país racista, de se ter poucos registros da cultura negra", diz o diretor. "Eles já estavam fazendo algo grandioso naquela época. Uma história dessas não deveria ter que esperar 50 anos para ser contada."

Chic Show no In-Edit

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