Em 7 de março de 2020, antes que a pandemia fosse oficialmente decretada, a última banda a pisar no palco da casa de shows paulistana Cine Joia foi a paraibana Glue Trip, que naquela noite ganhou o reforço do cantor Otto, de Felipe S, vocalista do Mombojó, e da cantora Yma —uma mistureba de brasilidades típica daquele lugar.
O espaço na Liberdade, região central, foi um dos primeiros da capital a fechar as portas quando a situação apertou. Agora, 20 meses depois e com mais de 80% da população adulta brasileira totalmente vacinada, é um dos últimos a reabri-las, bem a tempo de celebrar o ano em que completa uma década de existência.
"É uma mistura de emoções. Estamos muito sociofóbicos, um pouco paranoicos, meio melancólicos. Mas acho que esperançosos é a palavra certa", diz Facundo Guerra, que é sócio da casa junto com o jornalista Lucio Ribeiro.
Nesta sexta-feira (26), marcam a retomada da programação do local apresentações do Boogarins e de Edgar, numa noite que deve seguir madrugada adentro com a energia de um espaço que permaneceu quase dois anos sem shows.
Guerra conta que, por pouco, o Cine Joia não aumentou a lista de endereços dedicados à música que não sobreviveram à pandemia em São Paulo, como a Casa do Mancha, a Estação Rio Verde, o Breve e o Z Carniceria, que também era do empresário. "Em algum momento eu tomei a decisão de fechar, mas, se eu fizesse isso, o que o Joia viraria? Iria voltar a ser uma igreja, um estacionamento. Só que ele é um patrimônio", diz.
Inaugurado em 1952 como um cinema da comunidade oriental da Liberdade, o imóvel, segundo o empresário, passou pelos anos assumindo algumas formas —foi transformado em cineclube, começou a projetar filmes de monstros, como "Godzilla", exibiu de pornochanchada a pornô e, ironicamente, foi alugado por uma igreja pentecostal.
Em 2011, Guerra e Ribeiro começaram a adaptar a estrutura que, em 2018, seria tombada como patrimônio histórico —o que contribui para que a estética de cinema retrô fosse mantida.
Por ser um espaço antigo, os problemas técnicos e de estrutura do local eram inevitáveis e vinham atormentando sócios e frequentadores já há alguns anos. Eram comuns, por exemplo, queixas a respeito da qualidade de som.
"Eu falei que se fôssemos reabrir do mesmo jeito seria melhor nem reabrir. E aí tivemos que encontrar dinheiro, procurar patrocínios, foi dolorido, uma novela mexicana. Estamos em obras há seis meses, mas o projeto demorou muito mais que isso", explica.
A empreitada finalmente deu certo, e a casa agora é reinaugurada como Novo Cine Joia. "Refizemos tudo. Sonorização, arquitetura, luz. A única coisa mantida foi a caixa arquitetônica. O bar [antes no centro da pista] foi para a lateral, a altura do palco diminuiu. Quem chegar lá vai se deparar com outra estrutura", conta o empresário.
Segundo ele, a principal mudança é na acústica, e isso inclui a retirada do tradicional chão de taco que estava completamente corroído pelos cupins, além de não colaborar para a propagação sonora.
Por outro lado, a curadoria de shows, agora nas mãos de Dai Dias e Giovanna Villefort, mantém os princípios de antes —de o Joia ser um palco para artistas brasileiros prestes a alcançar o mainstream—, mas também mira em mais diversidade, com grupos e festas que se relacionam com a comunidade LGBTQIA+.
No lineup, fechado até março, aparecem destaques como a cantora Marina Sena, que explodiu durante a pandemia —o sucesso foi tanto que os ingressos para o show, marcado para janeiro, se esgotaram em uma hora e a casa teve que abrir uma nova data. Também estão na agenda artistas como Alcione e bandas como Francisco, El Hombre e Scalene.
Apesar de não poder citar nomes, Guerra adianta que a programação internacional voltará com três das Lolla Parties —shows paralelos dos artistas que tocam no Lollapalooza em 2022— que acontecerão em São Paulo. "O que eu posso dizer é que a banda mais legal do mundo atualmente vai estar no Cine Joia", diz. Façam suas apostas.
Programação
26/11 - Boogarins e Edgar
2/12 - Carol Biazin
3/12 - Sebastianismos e Malfestona
4/12 e 5/12 - VHS The Comeback
9/12 - Rodrigo Alarcon e Ana Müller
10/12 - Maglore
11/12 - Scalene, Far From Alaska e Disaster Cities
12/12 - Baby e Lazúli
15/12 - Macaco Bong e Lúcio Maia
16/12 - Braza
17/12 - Francisco, El Hombre
8/1 e 9/1 - Marina Sena
21/1 - Alcione
19/3 - Los Britânicos
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