Primeiro a abrir espaço para os Beatles, cineasta Dick Fontaine vem a SP

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Diretor e cineasta Dick Fontaine (foto) é o homenageado da 5ª edição do In-Edit, festival internacional de documentários musicais

O inglês Dick Fontaine é um apaixonado por jazz. Sem sucesso como músico, resolveu fazer parte de sua paixão de uma outra forma: retratando-a. Assim se tornou cineasta, o que lhe abriu portas para dirigir também filmes políticos. Há mais de 40 anos em atividade como diretor, produtor e professor, ele é o homenageado do festival de documentários musicais, o In-Edit, que começa nesta sexta-feira (3), em São Paulo.

Além de documentar novas formas de expressão e criar novas linguagens para o cinema, nos anos 1960 Fontaine foi o primeiro a abrir espaço na TV para uma banda novata: os Beatles. A visita da banda aos EUA é retratada em um de seus primeiros filmes, "Yeah Yeah Yeah" (1964).

Na década de 1980 retratou as origens do hip-hop em "Beat This! - A Hip-Hop History". Fontaine também buscou a popularização do jazz com filmes como "Sonny Rollins - Beyond the Notes" (2012) e "Art Blakey - The Jazz Messenger" (1988).

Em homenagem a Dick Fontaine, que vem ao Brasil para apresentar seus filmes e ministrar uma aula magna, o In-Edit vai exibir alguns de seus trabalhos mais representativos.

Confira aqui a programação da primeira semana do festival.

VEJA FILMES QUE INTEGRAM O FESTIVAL:



LEIA ENTREVISTA COM DICK FONTAINE

Guia - Como você se tornou um documentarista?
Dick Fontaine - Eu queria muito ser músico. Eu tocava bateria em uma banda de jazz, a banda tocou em um famoso pub de Londres durante o verão. Esse foi o meu grande feito como músico. Eu até fiz algumas músicas para uns filmes experimentais, nos anos 1960. Isso me interessou. Quando eu me dei conta que eu não seria um grande músico de jazz, eu decidi aprender a fazer filmes.

E "Yeah Yeah Yeah" foi o seu primeiro filme?
Praticamente, eu fiz algumas coisas pequenas antes dele. Essa foi uma grande mudança. Eu contratei Al Maysles e o irmão dele [David] para filmar, mas depois eles fizeram sua própria versão deste filme, mais longa.

Eu queria fazer um filme em Liverpool, na primeira vez em que eu fui para lá. Eu encontrei John Lennon e Paul McCartney, mas o canal de televisão onde eu trabalhava não me deixava fazê-lo, porque eu era muito jovem e eles não estavam interessados. Nós os levamos para o estúdio e fizemos uma demo para o canal [Granada TV] e então eles os levaram para a gravadora. A partir daí, eles fizeram sucesso. Foi um grande momento. Mas eu gostava mesmo era de jazz, nunca fui um grande fã dos Beatles. Mas eu gostava deles, especialmente de John, que morava com um amigo meu. Eu o conhecia bem naquela época. Mas musicalmente, estava sempre em função do jazz. Foi por isso que eu fui ao The Cavern Club naquela noite, quando eu os conheci. Eu fui lá para escutar jazz. Eles estavam lá porque souberam que alguém da TV estava a caminho: eu. Então era pura promoção. Isso foi há muito tempo atrás.

Que bandas influenciaram você para começar a fazer documentários musicais?
A maioria dos meus filmes é sobre jazz, mas eu fiz filmes sobre hip-hop, que eu gosto porque é muito político, pelo menos bem no início, com o Afrika Bambaataa. Mas eu temo ser um antiquado amante de jazz. Sonny Rollins, Ornette Coleman e Miles Davis me influenciaram e meu baterista favorito aparece no filme que fiz sobre o Sonny Rollins, o Roy Haines. Ele é um grande, grande baterista. E ele sempre foi o meu preferido, então foi muito emocionante que ele apareceu para esta celebração do aniversário de 80 anos de Rollins.

Crédito: Divulgação Cena do documentário "Art Blakey - The Jazz Messenger" (1988), dirigido por Dick Fontaine, que integra a programação
Cena do documentário "Art Blakey - The Jazz Messenger" (1988), dirigido por Dick Fontaine, que integra a programação

Dentre seus mais de 30 filmes, qual é a parte mais difícil e a parte mais fácil de se fazer longas sobre música e movimentos?
A grande coisa em fazer filmes é a conexão, e cinema é muito sobre ritmo. O que eu realmente gosto é a grande conexão entre a improvisação na música, como ocorre no jazz, e o cinema. Jazz é o maior tema para mim, como pessoa e como cineasta. É fácil e eu gosto de celebrar o jazz. Quando eu peço para músicos improvisarem nos meus filmes, não apenas nas produções dedicadas ao jazz, eles entendem absolutamente o que fazer. Mas pode ser difícil trabalhar com quem você admira. Você tenta fazer com que o filme revele a arte do personagem, o que pode ser trabalho duro. Mas que vida melhor há do que, primeiro, fazer filmes e, segundo, fazer filmes com pessoas que você admira, ideias que você admira. Eu sou um garoto de sorte.

O que o levou a criar uma produtora independente como a Grapevine Productions?
A Grapevine surgiu após o filme que eu fiz com o escritor James Baldwin, que se chama "I Heard it Through the Grapevine", então nós chamamos a produtora de Grapevine, na década de 1980. Nós fizemos uma série de filmes com essa produtora, filmes que não eram musicais, e alguns filmes que me deixaram entediado. Eu fico entediado com o processo de ficção, demora muito para se ter alguma coisa, é muito artificial para mim. Agora eu tenho outra produtora, que se chama Bebop. Eu não faço filmes só sobre bebop, mas eu gosto da palavra. Nós estamos fazendo um outro filme, um filme muito político, parte ficção, parte documentário.

Sobre o que se trata?
O filme traz à tona um personagem chamado Thomas Paine, o inglês que, de fato, começou a revolução americana. Um grande homem que é deixado de lado, porque ele era durão demais, radical demais. Um homem fantástico e interessante. Então eu tenho que trazê-lo de volta. É um grande projeto.

Você fez uma série de TV nos anos 1960, a "World in Action". O que você acha sobre o que está sendo produzido para a televisão atualmente?
Agora há tanta mídia, tantas plataformas, tanto tudo que a TV está se embaralhando para conseguir audiência. É sempre um grande esforço para conseguir audiência, mesmo a BBC. A BBC é uma grande companhia de TV, mas mesmo eles têm muito menos dinheiro e comprometimento, de uma certa forma. Na minha carreira, a TV teve um papel muito importante, muitas pessoas talentosas trabalharam comigo e levavam isso muito a sério. Mas isso já não é tão verdade agora. Boas coisas são produzidas, há mais interesse em documentários de cinema. Mas é sempre muito muito muito melhor assistir a filmes na tela grande, e a experiência coletiva de se assistir a um filme é realmente incrível. Eu estou velho, eu gosto de ir ao cinema.

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