Galerias de rua abrigam chapelarias, discos e botequins em prédios históricos de SP

Muitas são escuras, têm paredes descascando e guardam peças obsoletas. Quanto mais, melhor. São estes seus maiores trunfos.

Primas desprestigiadas dos shoppings, as galerias de rua existem há quase um século e merecem visita pelo quê de mistério. Seus longos corredores funcionam como atalhos no labirinto do centrão —perceba como começam numa rua, terminam na seguinte e têm sempre mais duas ou três saídas escondidas.

Além das assinaturas de arquitetos prestigiados como Artacho Jurado, Oscar Niemeyer e Rino Levi, entre outros, colecionam em suas salas apertadas representantes de um comércio em sério risco de extinção.

Chapelarias, lojas de discos, selos, notas, moedas, sebos, fotógrafos, alfaiates, videntes, botequins e restaurantes originais, por exemplo. Todos disputando o espaço dominado pelas grifes nos centros de compras convencionais.

Acima de tudo, cada galeria tem sua personalidade. E São Paulo tem muitas. É hora de conhecê-las.


Galeria 7 de Abril
O piso de pedra portuguesa forma uma passarela onde fotógrafos compram, trocam, vendem e consertam câmeras e outros apetrechos. Na varanda fresca do segundo andar, visite o restaurante Feijão do Norte e emende um escondidinho. Do outro lado do corredor, a velha loja de mapas merece visita —quando o "Guia" apareceu, o vendedor estava dormindo (não quisemos incomodá-lo).

R. 7 de Abril, 125, República, centro, São Paulo, SP. Tel.: (11) 3257-7189. Seg. a sex.: 10h às 19h. Sáb.: 9h às 14h. Não abre aos domingos e feriados.


Galeria Guatapará
Segundo a arquiteta Cynthia Poleto Aleixo, é a galeria mais antiga do centro. "Marcou um momento dessa área como polo de livrarias, cafés, restaurantes", diz. Quem passa hoje pelo corredor abafado não encontra nada disso —a não ser um paredão de sapateiros, com azulejos de banheiro, banquetas, ventiladores, cortiça e o cartaz: "ENGRAXADA R$ 6 - Agradecemos a preferência!!!".

R. Barão de Itapetininga, 112, ou r. 24 de Maio, 95, República, centro, São Paulo, SP. Tel.: (11) 3214-3501. Seg. a sex.: 7h às 21h. Sáb.: 7h às 18h. Não abre domingo

Crédito: Arte/Folhapress


Galeria Louvre
Luxo só, a galeria do edifício Louvre tem hoje poucas lojas abertas. Dos tempos de gala, sobraram no primeiro andar poucas agências de câmbio e turismo, cartório, cabeleireiros, imobiliárias e ótica. Na parte de cima, quase tudo está fechado. Mas as salas aqui ficam em segundo plano. Se você não é um dos sortudos que podem morar num prédio do arquiteto João Artacho Jurado (1907-1983), visite a galeria só para experimentar o prazer de perambular por escadarias curvas, com piso de pedraria verde. Ou de deslizar suas mãos por guarda-corpos dourados (cujo desenho, é verdade, pode lembrar o de joias antiquadas). Quando chegar ao mezanino, flane rumo à vista livre para a praça Dom José Gaspar. Seus olhos só serão interrompidos pelos pilares que sustentam os 25 andares do edifício cor de rosa e azul, construído nos anos 1950 e tombado pelo patrimônio histórico em 1992. Fica a dica: seu passeio vai valer a pena pelo "fator Artacho".

Av. São Luís, 192, República, centro, São Paulo, SP. Tel.: (11) 3257-3913. Seg a sex.: 8h às 18h. Sáb.: 8h às 14h. Não abre aos domingos e feriados.


Galeria Presidente
Prima mais detonada da Galeria do Rock (obra do mesmo arquiteto), tem comércio e frequência africanos, como sugerem as lojas Nigga's Place, AfroZion e Groove Records. Pelas vitrines das tabacarias, também nota-se forte presença jamaicana. Com subsolo, térreo, 'rua alta' e quatro andares, abriga a sede da torcida Independente do São Paulo. É conhecida na região como "galeria dos pretos".

R. 24 de Maio, 116, República, centro, São Paulo, SP. Tel.: (11) 3337-4168. Seg. a sex.: 7h às 19h30. Sáb.: 8h às 18h. Não abre aos domingos e feriados.


Galeria Metrópole
O enorme jardim interno, coração da galeria desenhada por Salvador Candia (1924 - 1991) e Gian Carlo Gasperini, vive cercado por hordas de executivos na hora do almoço. Não tem problema: amplos, frescos e com iluminação natural, os corredores da Metrópole parecem o sonho de qualquer praça de alimentação. No segundo andar, surgem também varandões de frente para a praça Dom José Gaspar —bons restaurantes instalam ali suas melhores mesas. Dá para comer bem com menos de R$ 15. Belas, as escadas que interligam os andares da galeria se cruzam, formando grandes X suspensos. Nos andares mais altos, há espaços de co-working e jovens estilistas. Onde ficava o antigo cinema está a casa de shows Grand Metrópole, aclamada pela boa programação —e forte candidata (junto à balada Lions) a ganhar o título de melhor fumódromo da cidade. O prédio também tem saída para a rua Basílio da Gama.

Av. São Luís, 187, ou praça Dom José Gaspar, 106, República, centro, São Paulo, SP. Tel.: (11) 3214-1120. Seg. e ter.: 7h às 22h. Qua. a sex.: 7h às 0h. Sáb.: 7h às 16h. Não abre aos domingos.


Galeria Nova Barão
Há mais de meio século, a galeria a céu aberto conecta as ruas Barão de Itapetininga e Sete de Abril. Trata-se de uma ruazinha de mentira, área particular, aberta nas duas extremidades por painéis do muralista Bramante Buffoni. Seu piso de pedras portuguesas lembra, de longe, o calçadão de Copacabana. Em volta do chafariz, idosos tomam sol. Em todo o térreo, vendem-se basicamente de serviços —do cafezinho à papelaria. O mais legal está em cima, mais precisamente dentro das várias lojas de discos que há anos roubam clientes cativos da Galeria do Rock. Além dos acervos cheios de raridades e bolachas gastas, as fachadas das lojinhas são curiosas, a exemplo da Tuareg Discos e da vizinha Locomotiva Discos. Além de salões de cabeleireiros, o mezanino ostenta o "Paulinho Drinks", que só pelo nome (impresso em branco sobre um toldo azul) já vale a visita.

R. Barão de Itapetininga, 37, ou r. Sete de Abril, 154, República, centro, São Paulo, SP. Seg. a sex.: 8h às 18h. Sáb.: 8h20 às 14h. Não abre aos domingos e feriados.


Galeria Lousã
O corredor que interliga as ruas Barão de Itapetininga e Dom José de Barros passaria despercebido, não fossem as palavras "Galeto Lousã" impressas em tipografia dourada numa vitrine discreta. Simplíssimo e sem frescuras, o restaurante aberto há mais de 30 anos tem balcão em volta da churrasqueira e preços do século passado. Não tem erro: vá de meio galeto com salada de batatas e vinagrete. Delícia.

R. Barão de Itapetininga, 163, República, centro, São Paulo, SP. Tel.: (11) 3151-6817. Seg. a sex.: 7h às 20h. Sáb.: 7h às 18h. Não abre aos domingos e feriados.


Galeria do Rock
Tênis, botas, bonés, skates, camisetas, livros, discos, bares e gente, muita gente. A galeria mais famosa do centro tem 450 lojas. Pasme, mas seu arquiteto é o mesmo do shopping Iguatemi e do palácio Anchieta, onde funciona a Câmara Municipal de São Paulo. Segundo a administração, Alfredo Mathias desenhou as curvas da Galeria do Rock (ou "Galeria Grandes Galerias") a partir das ondas do Copan.

R. 24 de maio, 62, República, centro, São Paulo, SP. Tel.: (11) 3337-2361. Seg. a sex.: 10h às 18h30. Sáb.: 10h às 18h. Não abre aos domingos e feriados.


Galeria Conde de Sarzedas
Com nome de nobre, a principal galeria gospel do centro tem mais de 40 lojas vendendo cinco mil produtos cristãos. Entre os artigos mais pedidos, "bíblia eletrônica portátil" (R$ 249) e "pasta para hinos de coral com logotipo do ministério" (R$ 13,52 em 2x). Inteira de vidro azul, a fachada destoa dos edifícios do entorno. Construída mais recentemente, também oferece praça de alimentação.

R. Conde de Sarzedas, 149, Sé, centro, São Paulo, SP. Tel.: (11) 3115-1980. Seg. a sex.: 8h30 às 18h. Sáb.: 8h30 às 15h.


Galeria São Bento
Galeria repleta de serviços bem ao lado do metrô São Bento. Além de copiadoras e papelarias, todas sempre lotadas, reúne salões de beleza que vendem cabelos naturais (apliques a partir de R$ 150). o mezanino, a boa é aproveitar os bancos do lado de fora dos cabeleireiros para descansar da bagunça do centro velho com vista os prédios do Anhangabaú.

R. São Bento, 545, ou r. Libero Badaró, 644, Sé, centro, São Paulo, SP. Tel.: (11) 3242-9654. Seg. a sex.: 7h às 20h. Sáb.: 7h às 17h. Não abre aos domingos e feriados.


Galeria Itá
O grande trunfo da galeria, inaugurada em 1949, é a loja Xodó Presentes, sempre abarrotada do piso ao teto de adoráveis inutilidades como réplicas de bombas antigas de gasolina, relógios com formato de timão e miniaturas feitas em aço e madeira. O forte do local são temas relacionados ao mar, como quadros com nós de escoteiros, esculturas de piratas, faróis e pequenos veleiros feitos à mão.

R. Barão de Itapetininga, 88,, República, centro, São Paulo, SP. Tel.: (11) 3129-4987. Seg. a sex.: 7h às 19h. Sáb.: 7h às 14h. Não abre aos domingos.


Galeria R. Monteiro
Fruto das pranchetas dos arquitetos Rino Levi, Roberto de Cerqueira César e Luiz Roberto Carvalho Franco em 1963. Contribui com o labirinto de galerias da cidade interconectando-se pelo térreo com a galeria Itá. Mas surpresa mesmo é a parede de azulejos verdes do mezanino. As peças em relevo foram desenhadas por Burle Marx, amigo de Levi.

R. 24 de Maio, 77, ou r. Barão de Itapetininga, 267, República, centro, São Paulo, SP. Tel.: (11) 3225-4800. Seg. a sex.: 9h às 19h. Sáb.: 8h às 14h. Não abre aos domingos e feriados.


Galeria Zarvos
Por décadas, figuras como Raul Cortez, Bibi Ferreira e John Herbert entraram na galeria Zarvos, subiram a escada rolante, viraram à direita e caminharam oito passos. Seu destino certo era a Agência LOOK, loja de revistas e jornais importados que resiste até hoje —com o letreiro original, desenhado há 45 anos. O dono, Miguel Andaime, 72, era conhecido por circular por redações de jornais, faculdades e escritórios de advocacia com capas frescas de publicações como National Geographic e Paris Match. Até hoje as vende —"mas agora para uma clientela fixa, anterior à internet", diz. Seu Miguel conta que todos os exemplares semanais da revista New Yorker (R$ 38,95), por exemplo, tem destino certo: três clientes assíduos. Mas ele lamenta: "Esse público infelizmente não se renova. Meus clientes estão envelhecendo."

Av. São Luís, 258, República, centro, São Paulo, SP. Seg. a sex.: 7h30 às 22h. Sáb.: 7h30 às 16h. Não abre aos domingos e feriados.


Galeria Copan
Os corredores da galeria térrea são tão sinuosos quanto a fachada do prédio de Niemeyer. No passeio, que inclui grifes de estilistas alternativos e restaurantes como o badalado Dona Onça, da chef Janaina Rueda, antológico mesmo é o café Floresta. Há quatro décadas entre os blocos C e E, o espaço parece intacto, do letreiro setentista à ambientação toda marrom (dos letreiros de madeira às xícaras). De lá, dê um pulo na PIVÔ. Da série "não precisa ir até Berlin para ser `cool'", a galeria, aberta em 2012, ocupa com bons artistas 3.500 m² de antigas ruínas e áreas ainda com pinta de abandonadas. De fato, elas estiveram fechadas no prédio por quase vinte anos (antes de point de artistas, o espaço abrigava o Hospital Dentário do Bradesco). Aproveite também os varandões com vista para a av. Ipiranga.

Av. Ipiranga, 200, Republica, São Paulo, SP. Tel.: (11) 3256-6064. Seg. a sex.: 9h às 19h30. Sáb.: 9h às 16h30. Não abre aos domingos e feriados.


Galeria Cinerama
No portão de ferro trabalhado da entrada, lê-se o bonito nome da galeria. Lá dentro, o corredor que liga a avenida Ipiranga à rua Timbiras tem menos brilho —exceto pela loja Neto, cujo ofício são gravações em aço e alumínio, placas de homenagem e placas decorativas para carros, como as que dizem "TIMÃO" e "VERDÃO", dispostas lado a lado atrás do balcão.

Av. Ipiranga, 919, República, centro, São Paulo, SP. Tel.: (11) 3326-1980. Seg. a sex.: 8h às 20h. Sáb.: 8h às 14h. Não abre aos domingos e feriados.


Zigue-zague
Na região conhecida como "centro novo", entre a praça Dom José Gaspar e a avenida São João, dá para atravessar três longos quarteirões emendando galerias de rua. Construídos na primeira metade do século 20, os prédios da região seguem o ideal modernista e unem, num só lugar, moradia, comércio e trabalho. Por isso, há pelo menos 15 galerias por ali —o que corresponde a mais de 20 opções de caminhos alternativos à rua. "Se chove, eu entro ali na galeria Itapetininga, depois na outra, na outra, na outra e chego na São João. Pego o ônibus sequinha", conta, molhada de suor, a ambulante Virgínia Chagas, 63.

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