Melancólico em segundo disco, cantor Cícero tenta se situar no GPS da música brasileira

O segundo disco solo de Cícero, "Sábado", é melancólico, abafado, depressivo, às vezes, até um pouco vazio. Segundo o cantor, ele representa seu estado de espírito pós-sucesso de "Canções de Apartamento" --álbum de estreia que lhe rendeu prêmios Multishow e elogios de músicos como Marcelo Camelo, Lenine e Marisa Monte.

Curiosamente, esse Cícero desanimado, quase indiferente, desaparece durante entrevista para o "Guia" pelo telefone. Ele explica, "o disco é uma obra, não é a única característica da personalidade de ninguém".

Simpático e falante, o carioca conversa com a reportagem por quase uma hora sobre o novo CD, a opção por um estilo mais "low profile", processos criativos e a onda de participações especiais em trabalhos de amigos. "As participações se transformaram em algo muito superficial, renegada a somar públicos", explica. "O Marcelo [Camelo] toca guitarra, baixo e bateria na música 'Ela e a Lata'. Acho isso infinitamente mais bonito do que ele cantar meia dúzia de coisas e não agregar", complementa.

O músico apresenta o repertório do disco na Choperia do Sesc Pompeia, neste sábado (26), às 21h30.

Crédito: Divulgação O cantor carioca Cícero apresenta seu novo disco "Sábado", na Choperia do Sesc Pompeia, no sábado (26), às 21h30
Cantor carioca Cícero apresenta o novo disco "Sábado" na Choperia do Sesc Pompeia neste sábado (26), às 21h30

LEIA A ENTREVISTA COM CÍCERO:

Guia- Que tipo de cobrança e pressão você sofreu após o sucesso de "Canções de Apartamento"?
Cícero - Depois de "Canções" veio aquele papo "agora você tem q vender disco, tem que ter empresário... agora você tem que um monte de coisa". Eu não achava que era a forma mais inteligente de lidar com o que estou construindo. Às vezes você tem que se impor. Para fazer do jeito que você quer, tem que arcar com as consequências. Se eu tivesse, talvez teria uma estrutura maior, mas também não sei até que ponto eu tô a fim... Nunca apareci na TV aberta. Não tenho agente. Não tenho uma força institucional muito grande. Em contrapartida posso deixar meus discos pra download, consigo ter mais gerência sobre minha carreira. Sou dono da minha padaria.

"Canções de Apartamento" tem bastante influência de Los Hermanos. "Sábado" já não parece muito com ninguém. Você acha que o disco se parece mais com você?
"Canções" era menos comprometido com minha identidade. Tinha muitas referências e ficou com essa cara de música brasileira com música estrangeira, que sempre é relacionada com Los Hermanos. "Sábado" é o primeiro disco que eu fiz encarando que essa é minha profissão, pago minhas contas com isso. Agora não posso mais ser 50% da coisa... Tentei me situar melhor no GPS da música brasileira. Tentei deixar mais nítido qual é a minha praia.

Que estado de espírito é esse que te acompanha no disco? Há um quê de monotonia, depressão, ausência...
"Sábado" é uma ressaca do "Canções". Encerra uma sexta-feira festiva e começa com um sábado moroso. Fiquei muito tempo em aeroporto, conheci aspectos urbanos muito diferentes... é um estado de espírito que foi muito constante durante o meu descobrimento de carreira.

As canções parecem um pouco sufocadas, às vezes vazias. O que você quer passar com isso?
Dar uma opinião. Num disco, você consegue dar sua opinião em todos os aspectos... No teclado, na capa, no nome... deixar tudo mais amarrado. Quando o escuto, consigo sentir de novo aquele estado que eu senti enquanto estava compondo.

O que te inspira?
Eu sou muito inspirado pela paisagem urbana das metrópoles, porque é onde eu moro. Mas não tenho muito isso de inspiração, não estudei música. Eu componho meio compulsivamente.

Se "Canções" era sua forma de ver o mundo, o que seria "Sábado"?
É uma forma de imaginar o mundo. "Sábado" é um sentimento de fuga da realidade ruim. Eu era um advogado e me transformei num músico. Mas isso não é a realidade do país. Não é tão simples você se reinventar. "Sábado" é mais difícil de lidar, é mais real... um pouco mais rotineiro.

Como foi o processo de criação desse disco? Li que você foi gravando na casa de amigos.
Visitei a casa de alguns amigos com um microfone embaixo do braço. Chegava, abria o computador e falava: "não tô conseguindo achar uma bateria legal pra essa música". Então a gente gravava em iPhone, computador... A música "Fuga nº 4" tem uns sons meio confusos porque gravei com fita K7. Estava tentando fazer um disco que não era pra ser entendido, que soasse como uma companhia para um momento de reflexão. Acho que, por isso, deixei alguns momentos de instrumental... para deixar a pessoa pensar.

Como é isso de tocar todos os instrumentos?
É um exercício de imaginação. Você faz uma linha de guitarra e fica imaginando o que o baixo devia fazer e vai criando em cima. Depois faz a bateria... e por aí vai. Quando a imaginação emperra, você chama um amigo pra ajudar... que foi o que aconteceu (risos).

Não fica claro, ao ouvir as faixas, quais amigos participaram das gravações. É uma posição mais egoísta de se posicionar?
É uma interpretação. Mas eu acho que não é egoísmo. As participações se transformaram em algo muito superficial, renegada a somar mercados, públicos. O Marcelo [Camelo] faz outras coisas muito bem, além de cantar. Ele toca guitarra, baixo e bateria na música "Ela e a Lata". Acho isso infinitamente mais bonito do que ele cantar meia dúzia de coisas e não agregar. A colaboração fica muito mais eficiente. Não é questão de ser egoísta, mas de pensar qual a finalidade de ter uma participação. Queria menos voz também... não queria ficar criando puxadinho de poesia. Não acho que o jeito tradicional de participação é ruim, mas não achava que tinha necessidade. Além disso, "Sábado" é um disco nublado, estranho, meio confuso. Se bota uma voz emblemática, aquilo chama tanta atenção... o que eu queira fazer iria se traduzir em glamour.

O que mudou da criação do primeiro disco para esse?
Noto que o público tem aumentado a cada mês. A verdade mesmo é o que você encontra de material humano. Não sou um cara de números. Minha carreira é muito curta em comparação ao pessoal que está aí.

Há alguma diferença entre shows no Rio e em São Paulo?
Não vejo muito mais isso não. Antes tinha esses arquétipos. Mas todo mundo que gosta de Beatles, por exemplo, tem algo em comum... Claro que [fazer shows] em alguns lugares é muito embrutecedor... em algumas cidades, as pessoas são mais arredias. Mas aos poucos você ganha o público. A música é um lugar paralelo.

Você ainda é DJ e produtor das festas (Mambembe, Benflogin e Yellow Submarine)?
Não. Parei com tudo. Agora sou só músico.

A banda Alice, da qual você fazia parte, acabou em 2008 depois de dois álbuns. Teve receio de acontecer o mesmo com sua carreira solo?
A banda me ajudou a descobrir os instrumentos, como fazer arranjos... E claro que banda é uma dinâmica de grupo, "Sábado" é só minha personalidade. Rola um medo de as pessoas não gostarem, de ter que fazer outra coisa. São inseguranças normais. Mas não pode deixar que te calem a voz.

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