Dois documentários sobre grandes cidades americanas, em cartaz na mostra Arq.Futuro, impressionam, cada um com enfoque bem diferente. "Detropia" expõe um cenário de desolação em Detroit, ou no que resta dela. "Los Angeles Plays Itself" é uma declaração de amor à cidade e sua vocação para o cinema.
* Conheça a programação completa da mostra Arq.Futuro
"Detropia" (2012), das diretoras Heidi Ewing e Rachel Grady, conquista quem o assiste pela beleza. O longa extrai poesia visual de locações deprimentes. Construções abandonadas, gente miserável transitando entre o lixo e os entulhos jogados nas ruas. Uma cidade fantasma no lugar que já foi um dos chamarizes do sonho americano.
Em 1930, Detroit era a cidade que mais crescia nos Estados Unidos, com a instalação das indústrias automotivas e de pequenas fábricas que produziam peças para automóveis.
Atualmente, o lugar é a cidade que mais "diminui" no país. Nos últimos dez anos, 50% dos trabalhadores nas indústrias perderam suas vagas. A concorrência de veículos feitos em outros países destruiu a estrutura que fazia Detroit rodar.
O filme dirige sua câmera para ambientes que parecem arrasados por uma guerra. Galpões industriais gigantescos, abandonados ou até semidestruídos, cercados por capim alto e carcaças enferrujadas de carros deixados para trás. Nas ruas centrais, muitos estabelecimentos fechados, sujeira e pessoas vagando pelas ruas com expressão de total desamparo.
Essas imagens são intercaladas com depoimentos de personagens escolhidos para transmitir a desintegração local. Um aposentado que passou a vida montando Cadillacs, uma videoblogger que documenta os prédios desocupados, um dono de bar que tenta manter seu negócio em operação, sindicalistas em reuniões melancólicas.
Mas nem todos são representantes da desolação. Um exemplo é o caso de dois jovens artistas que se mudaram recentemente para a cidade porque o aluguel é barato e o entulho fornece matéria-prima para suas obras.
Se "Detropia" é impecável e implacável no visual, há pontos na produção que incomodam. O didatismo é escasso. Falta discussão sobre causas e efeitos do encolhimento econômico. E a insistente inserção de trechos de uma ópera sendo montada modestamente num teatro local não diz a que se presta. Uma edição mais inventiva poderia valorizar suas imagens poderosas.
Já "Los Angeles Plays Itself" (2003), de Thom Andersen, foi construído em cima de uma montagem espetacular de imagens da cidade californiana, todas extraídas de longas produzidos entre 1940 e 2000. De cenário, Los Angeles se transforma em protagonista.
Com uma narração que elenca blocos temáticos sobre características da cidade, o documentário emenda cenas de filmes que vão de produções desconhecidas de segunda categoria, como "The Crimson Kimono" (1959), a clássicos facilmente reconhecíveis, como "Chinatown" (1974). Todos os trechos são identificados com legendas que mostram o título do filme e o ano de lançamento.
Em sua parte inicial, fica evidente a tentativa de explicar a personalidade de Los Angeles e exibir pontos famosos, como a calçada da fama dedicada aos astros do cinema ou o manjado e turístico Hollywood construído com letras gigantes na área montanhosa de Santa Monica.
Em seu terço final, o documentário se dedica ao modo como o cinema retrata a cidade e seus habitantes, chegando a explorar os clichês aplicados a policiais, strippers e outras categorias que aparecem nos dramas ambientados por lá.
Com isso, "Los Angeles Plays Itself" é mais do que o retrato de uma cidade. É também uma discussão saborosa sobre o próprio cinema.
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