"Jackie" é um filme sobre o passado que fala muito ao presente. E não apenas porque a vulgaridade que acaba de tomar o poder nos Estados Unidos desperte nostalgia pelo refinamento de John e Jacqueline Kennedy.
A atualidade do filme dirigido pelo chileno Pablo Larraín ("No", "Neruda") tem a ver com seu tema. Jackie não é uma cinebiografia convencional sobre a história da primeira-dama americana Jacqueline Bouvier Kennedy (Natalie Portman).
Este é um filme sobre guerra de narrativas em tempos de "pós-verdade", um tema contemporâneo por excelência. Com sabedoria, Larraín escolheu um foco específico para seu filme: o momento posterior ao assassinato de JFK, em 1963.
Apesar da comoção pela morte trágica, o círculo do poder em Washington quer um funeral modesto para o país seguir adiante, e a imprensa faz em geral um balanço francamente negativo de Kennedy.
Contra eles, Jackie se rebela solitariamente. Ela planeja um enterro grandioso para que Kennedy não seja esquecido.
E convoca um jornalista (Billy Crudup) para entrevistá-la e reescrever a narrativa sobre o legado do marido.
Sua tentativa é bem-sucedida: nessa reportagem emerge a imagem de Camelot um reino de bravos e nobres guerreiros que marcaria os anos Kennedy na história.
"Jackie" é atual também porque fala sobre empoderamento feminino, sobre uma mulher vista como dondoca que foi capaz de segurar a cabeça explodida do marido para que o cérebro não saísse do crânio.
Ao longo do filme, Jackie sofre formas veladas de machismo que só seriam batizadas mais tarde, como o "gaslighting" (em que os homens a fazem se achar louca) e o "mansplaining" (em que os homens lhe explicam o mundo, com condescendência).
Indicada ao Oscar de melhor atriz, Natalie precisa dar conta desse personagem real e complexo. No começo, parece que a solução encontrada foi a mera imitação, de voz, de olhares, de gestos.
Ao longo da projeção, a sensação se dissipa, e a atriz chega a um notável equilíbrio entre força psicológica e fragilidade física.
Assim como Jackie foi capaz de impor sua visão particular sobre o legado do marido, Natalie consegue nos oferecer uma Jackie que só poderia ser sua.
Avaliação: bom
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