Os versos de “A Menina dos Olhos de Oyá”, samba-enredo da Mangueira em 2016, ajudam a compreender “Fevereiros”, documentário sobre a cantora Maria Bethânia.
A música fala em Oxalá, axé e xirê, palavras em iorubá incorporadas pela língua portuguesa e que ocupam papel central nas religiões afro-brasileiras.
Por outro lado, também faz referências ao Bonfim e ao rosário de Maria, símbolos da Igreja Católica.
A exemplo da homenagem feita pela Mangueira, campeã do Carnaval daquele ano, o diretor Márcio Debellian não ambiciona reconstituir os 72 anos de vida de Bethânia.
No que demonstra ser uma decisão bem-sucedida, ele se concentra no sincretismo abraçado ao longo da vida pela cantora, que concilia o candomblé e o catolicismo, especialmente na figura de Nossa Senhora.
Os signos dessa espiritualidade desfilaram com a Mangueira e estão registrados em “Fevereiros”. Mas o filme parte de Santo Amaro da Purificação. É na cidade-natal da família Veloso que acontece, por exemplo, a festa Bembé do Mercado, com os povos dos terreiros do Recôncavo Baiano; “13 de Maio”, canção de Caetano, lembra essa celebração.
Caetano, aliás, está entre os poucos a falar sobre Bethânia no filme. Não há verborragia. Os depoimentos da cantora e os comentários de familiares e amigos são surpreendentes, alguns emocionantes. Mas este não é um documentário apoiado na fala, e sim nas imagens embaladas pela música.
“Fevereiros” se dedica, sobretudo, a mostrar a participação de Bethânia nas festas de Santo Amaro e no Carnaval da Sapucaí. São as imagens que melhor expõem a ligação da cantora com a fé, sem a intenção de esgotar o assunto. Como canta Gilberto Gil, um doce bárbaro como Bethânia, “mistério sempre há de pintar por aí”.
Com propósitos bem definidos e domínio do tema, Debellian faz de “Fevereiros” um dos ápices dessa onda de documentários sobre grandes nomes da música brasileira. E, não menos importante, celebra a tolerância religiosa.
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