Descrição de chapéu Filmes
Cinema

Cine Bijou abre as portas em SP como resistência aos blockbusters da Marvel

Reinauguração do histórico cinema de rua paulistano reuniu nostálgicos e exibiu filme brasileiro

São Paulo

O aniversário de São Paulo foi agitado na praça Roosevelt, no centro da capital paulista. Nesta terça-feira de feriado (25), o clima à noite na região tinha uma mistura de rock alto que saía de uma caixa de som na rua, barulho de skates, conversa entre jovens sentados nas escadarias da praça, burburinho do público aglomerado sem medo da ômicron nos barzinhos e um zum-zum-zum na frente de uma das novas atrações do local.

Era um grupo de pessoas em uma fila na calçada do número 172 da Roosevelt, onde voltou a funcionar o Cine Bijou, cinema de rua histórico reaberto ao público na noite desta terça.

Rebatizado Satyros Bijou, o espaço inaugurado em 1962 ficou desativado por 26 anos, mas voltou a funcionar sob administração dos fundadores da companhia de teatro Os Satyros. O imóvel, que ficou vago em 2019 após funcionar como um teatro, passou por uma reforma de R$ 500 mil, que inclui troca de equipamentos e adaptação de acessibilidade.

A cerimônia de abertura contou com uma sessão gratuita, com ingressos distribuídos por ordem de chegada. O evento teve a participação de Ivam Cabral e Rodolfo García Vázquez, dos Satyros, e de nomes como o dançarino Carlinhos de Jesus, a atriz Nicole Puzzi, o vereador Celso Giannazi (PSOL) e o ex-secretário estadual de Cultura José Roberto Sadek.

A maioria dos 77 assentos da sala foi ocupada, principalmente por um público que já conhecia o cinema antes de ser desativado como exibidor de filmes, em 1996, mas havia também a turma dos curiosos, que queriam conhecer o espaço cultural.

Na entrada, o público teve a temperatura medida e precisou apresentar a carteirinha de vacinação contra a Covid-19 com ao menos as duas doses. Também foram distribuídas máscaras do tipo PFF2. Pelo menos dentro da sala, todos usaram a proteção corretamente.

Ainda com cheirinho de tinta —vermelha, no hall—, o cinema foi reformado, mas manteve algumas das características originais, como as formas redondas desenhadas em gesso que ocupam as paredes e o teto, preservando um certo clima nostálgico.

As poltronas vermelhas de couro, as mesmas desde a fundação, aguentaram firmes ao tempo e são confortáveis, com uma boa distância entre as fileiras para esticar a perna. Durante a visita, o ambiente estava limpo, sinalizado e áudio e imagem funcionaram bem durante a exibição. Aspectos que não deixam o endereço quase sexagenário atrás de outros cinemas de rua da capital paulista.

São Paulo, SP, Fachada do cine Bijou
Antiga fachada do Cine Bijou, fundado em 1962 na praça Roosevelt, no centro - Eduardo Lazzarini/Folhapress

O melhor lugar para sentar na hora da sessão é nos fundos, onde o ar-condicionado funciona melhor –o ar fresco não chegava às fileiras do meio, o que deixava o ambiente abafado. Um outro ar-condicionado próximo à tela também alivia as poltronas da frente. O único banheiro do local, instalado no pequeno hall de entrada, porém, estava sem água para lavar as mãos ou dar descarga.

Na evento de estreia, foi exibido o filme "Zuzu Angel", lançado em 2006 por Sérgio Rezende, sobre a trajetória da estilista carioca que foi morta pelos mesmos militares que assassinaram seu filho, Stuart Angel, durante a ditadura militar.

A escolha do título não foi por acaso: o tema da ditadura tem relação próxima com a história do Bijou, que foi ponto de encontro de movimentos de resistência e onde se exibiam produções consideradas subversivas pelo regime e até mesmo obras censuradas.

A protagonista do filme, a atriz e diretora Patricia Pillar, foi uma das artistas que fizeram doações para a reativação do cinema e agora batiza a sala do local. "A vocação do Bijou é ser um lugar de encontro, que você frequenta, e não só onde você vai uma vez, mas encontra pessoas, participa das discussões, da troca de ideias", disse a atriz, que participou da abertura.

Patricia Pilla em cena de "Zuzu Angel", filme de 2006
Patricia Pillar em cena de 'Zuzu Angel', filme de 2006 - Divulgação

Ivam Cabral, um dos fundadores dos Satyros, diz que o novo Cine Bijou vai resgatar seu espaço de resistência cultural e política que marcaram o endereço. "É fundamental que essa sala exista, principalmente neste momento do país, no qual a cultura é jogada sei lá onde", disse ele.

A programação, adianta ele, será dedicada ao cinema nacional e a filmes que costumam ficar fora do circuito comercial, com sessões gratuitas ou a preços populares, além de debates e apresentações de peças teatrais no palco que ocupa a sala.

A aposentada Socorro Cavalcante, 64, é uma das antigas frequentadoras do cinema que participaram da sessão de estreia. "Eu assisti a 'Nosferatu' aqui, trabalhava perto e sempre vinha ver quais filmes estavam em cartaz", comentou.

Ela conta que hoje faz parte de um clube de pessoas que frequentava o Bijou, mas não se conhecia na época. "A arte tem essa coisa da resistência, tem essa força, e era isso que eu sentia na minha época, nas décadas de 1970 e 1980. Acho que o cinema marcou muito a nossa memória afetiva."

Foi nesse mesmo período, no início dos anos 1970, que o cineasta Reinaldo Pinheiro, recém-chegado à capital paulista, começou a visitar o cinema e a participar dos debates que ocorriam por lá. Virou frequentador assíduo e diz que o local foi decisivo para a sua formação na área de cinema.

"O Bijou sempre foi um lugar acolhedor. A volta do cinema à cena paulistana neste momento tão crucial e massacrante para a cultura no nosso país é mais que um marco de luz e esperança. É um ato de resistência", disse Pinheiro.

Em tempos em que a indústria exibidora de filmes passa por uma crise no país provocada pela pandemia de Covid, com o fechamento de diversas salas, o Bijou surge como uma opção para além das exibições de blockbusters da Marvel em São Paulo, que dominam os cinemas.

Comentários

Ver todos os comentários Comentar esta reportagem

Últimas

Ver mais