O Brasil nunca levou o Oscar de melhor filme internacional, mas São Paulo teve lá sua importância na entrega de ao menos uma estatueta. Isso porque foi circulando pelos inferninhos gays da capital paulista que o americano William Hurt achou o tom para interpretar Luis Molina, o presidiário homossexual de "O Beijo da Mulher-Aranha", papel que lhe valeria o prêmio de melhor ator em 1985.
A cidade, que chega aos 468 anos na terça, dia 25, é matéria-prima para o cinema desde que a produção deu seus primeiros passos no país, nas primeiras décadas do século passado.
O ano ainda era 1929 e a capital já era chamada de metrópole, como mostra o documentário "São Paulo, Sinfonia da Metrópole", registro importante das mudanças experimentadas pela cidade, ainda na transição entre um entreposto rural e uma potência financeira.
Dos anos 1960 vem outro clássico que a retrata bem, "São Paulo, Sociedade Anônima", de Luís Sérgio Person, que faz um passeio pelo vale do Anhangabaú. Desde então, a cidade sediou a Boca do Lixo, maior meca da produção de filmes nacionais na década de 1970, e é musa até hoje de diretores como Marco Dutra e Juliana Rojas.
Locais como o parque Ibirapuera, o estádio do Morumbi, a rua Augusta e outros vários cenários de São Paulo já serviram de locação para produções cinematográficas. Para o aniversário da cidade, o Guia fez uma seleção de 20 filmes, entre longas, curtas e documentários, que têm a metrópole como protagonista ou se passam nela.
Na lista, há longas clássicos, como "O Bandido da Luz Vermelha", dirigido em 1968 por Rogério Sganzerla, no qual o protagonista é perseguido pelas ruas de São Paulo, e também títulos mais atuais, como "Corpo Elétrico", lançado em 2017 por Marcelo Caetano, que passeia pelas ruas, lojas e galerias do centro histórico.
Vale apontar que ficaram de fora da lista alguns importantes filmes que se passam em São Paulo, como "Durval Discos" (2002), de Anna Muylaert, e "Ensaio Sobre a Cegueira" (2008), de Fernando Meirelles, além de obras de diretores como Ozualdo Candeias, Carlos Reichenbach e Guilherme de Almeida Prado, pois não estão disponíveis em nenhum streaming, nem para aluguel ou compra em sites especializados.
Participaram da seleção dos filmes o crítico da Folha Inácio Araujo, o editor-adjunto da Ilustrada, Guilherme Genestreti, os repórteres da Ilustrada Henrique Artuni e Leonardo Sanchez e a repórter do Guia Nathalia Durval.
Pegue uma pipoca, assista aos filmes e faça um passeio pela cidade cenográfica —sem sair de casa.
Guilherme Genestreti
Editor-adjunto da Ilustrada
À Meia-Noite Levarei sua Alma
José Mojica Marins não se preocupa em fazer um city tour, até porque a história se passa numa cidade interiorana —há cenas no Cemitério da Lapa e as árvores usadas na floresta foram arrancadas do largo do Arouche, mas há sobretudo uma crítica ao provincianismo religioso da cidade no filme de estreia do Zé do Caixão.
Brasil, 1964. Dir.: José Mojica Marins. Com: José Mojica Marins, Magda Mei e Nivaldo Lima. 16 anos. No Belas Artes à La Carte, Globoplay, Looke e Telecine Play
Alguma Coisa Assim
O longa sobre o relacionamento de dois jovens amigos ao longo dos anos mostra as transformações da rua Augusta entre as décadas de 2000 e 2010, das fachadas de neon das casas de strip às cervejarias modernas, quando ela despontou como epicentro da vida noturna na cidade.
Brasil, 2017. Dir.: Esmir Filho e Mariana Bastos. Com: Caroline Abras, André Antunes e Clemens Schick. 16 anos. Na Netflix e disponível para aluguel ou compra no Google Play, iTunes, Looke e YouTube
O Beijo da Mulher-Aranha
Embora boa parte do longa se passe na cela de uma cadeia, recriada em estúdio na região metropolitana, é possível vislumbrar o centro de São Paulo nos anos 1980 nas andanças do personagem de William Hurt pelo entorno da praça da Sé nessa trama sobre dois presos políticos.
Brasil, EUA, 1985. Dir.: Hector Babenco. Com: William Hurt, Sonia Braga e Raul Julia. 14 anos. No Globoplay, Itaú Cultural Play e Looke
Boleiros - Era uma Vez o Futebol
Um trio de corintianos maloqueiros, um técnico ranzinza de sotaque italianado, um jogador que brilha no Morumbi e até o juiz ladrão que traz revolta na rua Javari são alguns dos vários tipos que orbitam o universo do futebol no filme em que Giorgetti homenageia o esporte e os times paulistas.
Brasil, 1998. Dir.: Ugo Giorgetti. Com: Otávio Augusto, Flávio Migliaccio e Lima Duarte. Livre. No Looke
Henrique Artuni
Repórter da Ilustrada
Documentário
"Não vamos falar de novo de cinema, vai?" "E do que você quer que eu fale aqui em São Paulo?" Esse diálogo entre os dois amigos que perambulam pelo centro, sem grana e já exaustos de ir de uma sala para outra, resume bem o espírito desse primeiro trabalho de Rogério Sganzerla. Esses dez minutos de dois cinéfilos jogando conversa fora lançam nada menos que os alicerces do cinema paulista dos anos 1960. "Saiu o filme do Samuel Fuller, que sacanagem!"
Brasil, 1966. Dir.: Rogério Sganzerla. Com: Marcelo Magalhães e Vitor Loturfo. Livre. No Looke
Festa
Como diz Debbie Reynolds em "Cantando na Chuva", basta ver um filme para ter visto todos. Ela falava do cinema mudo, mas também se aplica —no bom sentido— ao trabalho de Ugo Giorgetti e à São Paulo que brota de seus longas tão diversos. Nessa trama beckettiana, não precisamos sair de uma sala num casarão de socialites para enxergarmos os monumentos da exclusão e do espetáculo. O show mesmo é ter Abujamra, Otávio Augusto e Jorge Mautner muito à vontade.
Brasil, 1989. Dir.: Ugo Giorgetti. Com: Antonio Abujamra, Otávio Augusto e Jorge Mautner. 10 anos. No Looke
O Rei da Noite
Mesmo com Paulo José e Marília Pêra, este não é, nem de longe, um dos melhores momentos de Hector Babenco. É o seu primeiro longa, que se detém sobre um playboy de uma família quatrocentona paulista destilando sua masculinidade tóxica. Se parte para o grotesco sem o humor de um Nelson Rodrigues, porém, explora as vielas e cantos obscuros de São Paulo de maneira bem reveladora. No final das contas, independentemente do mal que fez, o "cidadão de bem" sempre pode suspirar aliviado.
Brasil, 1975. Dir.: Hector Babenco. Com: Paulo José, Marília Pêra e Vick Militello. 14 anos. No Belas Artes à la Carte, Globoplay e Looke
São Paulo, Sinfonia da Metrópole
Os anos 1920 e 1930 viram o fenômeno das sinfonias das cidades, em que as grandes metrópoles se tornaram protagonistas de documentários experimentais. Um dos mais célebres, "Berlim, Sinfonia da Metrópole", de 1927, é apenas dois anos mais novo que este longa. Apesar de não ser tão inventivo, vale ver esse retrato de São Paulo para reconhecer o que mudou, e o que não —desde o prédio do Banco do Brasil ao nosso caos caleidoscópico.
Brasil, 1929. Dir.: Adalberto Kemeny e Rudolf Rex Lustig. No YouTube
Inácio Araujo
Crítico da Folha
O Bandido da Luz Vermelha
A essência do espírito midiático –o grande mal da nação é um pé de chinelo em que a mídia descarrega sua ira dia após dia. Mas os tempos mudaram. Antes isso acontecia no rádio e nos jornais, agora é no Datena. Mas a beleza insurrecional do filme permanece viva.
Brasil, 1968. Dir.: Rogério Sganzerla. Com: Helena Ignez, Paulo Villaça e Pagano Sobrinho. 14 anos. Disponível para aluguel na Apple TV+ e Looke
Fragmentos da Vida
Ao ver este filme convém pôr de lado o moralismo reacionário (porém tão paulistano) de José Medina. Mas ele filmava bem. E basta ver a cena em que dois malandros conversam num banco, tendo ao fundo um belo parque, numa visão de uma cidade que cresce e ainda se sonha sublime.
Brasil, 1929. Dir.: José Medina. Com: Áurea de Aremar, Carlos Ferreira e Alfredo Roussy. 12 anos. No YouTube
São Paulo, Sociedade Anônima
O filme essencial de São Paulo. E da ideia de S/A —uma sociedade em que a força de crescimento e o esmagamento do humano, o espírito provinciano e o metropolitano, a técnica e o espírito argentário convivem. Em contradição e, no entanto, pacificamente.
Brasil, 1965. Dir.: Luiz Sérgio Person. Com: Ana Esmeralda, Eva Wilma e Otelo Zeloni. 12 anos. No Globoplay
Uma Noite em Sampa
Se toda a belíssima obra de Ugo Giorgetti é uma ilustração agridoce de São Paulo, nenhum de seus filmes é tão irônico quanto este, sobre um grupo que vem em excursão do interior para pegar um teatro e, ao sair, encontra o ônibus fechado e o motorista sumido.
Brasil, 2016. Dir: Ugo Giorgetti. Com: Suzana Alves, Thiago Campos Amaral e Luti Angelelli. 12 anos. No Amazon Prime Video e disponível para aluguel e compra no YouTube
Leonardo Sanchez
Repórter da Ilustrada
As Boas Maneiras
O filme põe um lobisomem à solta nas ruas de São Paulo, numa trama que brinca com diversos gêneros e também com o nosso o folclore. A criatura aterroriza a população numa das tradicionais quermesses que tomam a cidade no mês de junho, nos corredores do shopping Eldorado e também nas margens do rio Pinheiros.
Brasil, França, Alemanha, 2017. Dir.: Juliana Rojas e Marco Dutra. Com: Isabél Zuaa, Marjorie Estiano e Miguel Lobo. 14 anos. Disponível para aluguel e compra na Apple TV+, Google Play, Looke e YouTube
Corpo Elétrico
Enquanto acompanha os amores e ficadas de um jovem gay, o filme toma como cenário uma parte menos glamorosa e turística da cidade de São Paulo —as ruas, lojas, galerias e boates sempre abarrotadas do centro, onde fica a tecelagem em que o protagonista trabalha.
Brasil, 2017. Dir.: Marcelo Caetano. Com: Kelner Macêdo, Welket Bungué e Linn da Quebrada. 16 anos. No Now e disponível para aluguel e compra na Apple TV+, Google Play e YouTube
Pixote: A Lei do Mais Fraco
O filme é dividido em duas partes —a primeira se passa num reformatório, enquanto a segunda se passa nas ruas de São Paulo e do Rio de Janeiro. Na capital paulista, os meninos protagonistas se envolvem em crimes, drogas e prostituição, denunciando uma realidade que ainda perdura. Numa das cenas, Pixote toma banho na fonte da praça Ramos de Azevedo, após uma tensa sequência em que seu grupo bate carteiras no viaduto do Chá.
Brasil, 1980. Dir.: Hector Babenco. Com: Marília Pêra, Tony Tornado e Jardel Filho. 16 anos. No Globoplay, Itaú Cultural Play e Looke
Sinfonia da Necrópole
Outro trabalho de Juliana Rojas ambientado em São Paulo, o musical é inesperado e surpreendente, já que foi gravado nos cemitérios da Consolação, um dos principais da cidade e que está repleto de obras de arte, do Araçá, da Vila Mariana e do Santíssimo Sacramento. Suas músicas refletem sobre a vida, a morte e sobre o trabalho de coveiro com bastante humor.
Brasil, 2014. Dir.: Juliana Rojas. Com: Eduardo Gomes, Luciana Paes e Hugo Villavicenzio. 12 anos. Na Netflix e disponível para aluguel e compra na Apple TV+, Google Play e YouTube
Nathalia Durval
Repórter do Guia
Carandiru
Adaptação do livro "Estação Carandiru", do médico e colunista da Folha Drauzio Varella, o filme de Hector Babenco sobre o cotidiano dos detentos do Carandiru foi gravado dentro da própria penitenciária na zona norte da cidade. Conhecemos as celas, corredores e pátios do complexo de detenção, que foi desativado em 2002. Outros locais como o parque do Ibirapuera, o metrô e favelas da capital também aparecem em cenas que mostram a vida dos detentos antes e depois da cadeia.
Brasil, 2003. Dir.: Hector Babenco. Com: Aílton Graça, Rodrigo Santoro e Wagner Moura. 16 anos. No Belas Artes à la Carte, Globoplay, Itaú Cultural Play, Looke e Telecine Play e disponível para aluguel e compra no YouTube
Linha de Passe
O futebol percorre a temática deste filme, que conta a história da família de Cleuza, empregada doméstica e corintiana fanática, que tem quatro filhos. Um dos trechos, por exemplo, se passa no estádio do Morumbi. Reginaldo é um jovem que procura o pai, Dario sonha em ser jogador de futebol, Dinho dedica-se à religião e Dênis encara dificuldades financeiras.
Brasil, 2008. Dir.: Walter Salles e Daniela Thomas. Com: Sandra Corveloni, João Baldasserini e Vinícius de Oliveira. 10 anos. Disponível para aluguel ou compra no Google Play e YouTube
Que Horas Ela Volta?
Ao atravessar a cidade, indo das periferias até os bairros nobres, o filme aborda de forma realista a desigualdade social da metrópole paulista. Em uma das cenas, a personagem de Regina Casé, uma empregada doméstica, apresenta à filha, através da janela de um ônibus, cenários como a marginal Tietê e o largo da Batata. A USP e o Copan são outros marcos que aparecem no filme.
Brasil, 2015. Dir.: Anna Muylaert. Com: Regina Casé, Camila Márdila e Karine Teles. 12 anos. No Globoplay, Telecine Play e disponível para aluguel e compra no Google Play e YouTube
São Silvestre
Em um passeio sensorial pelas ruas de São Paulo, o documentário reproduz a experiência de correr a famosa corrida de rua de São Silvestre, seguindo as passadas, a respiração e o ponto de vista do protagonista. Realizada anualmente na capital paulista, a competição percorre vias como a avenida Paulista e o Minhocão, retratados aqui.
Brasil, 2013. Dir.: Lina Chamie. Com: Fernando Alves Pinto. Livre. Disponível para aluguel no Reserva Imovision
Comentários
Ver todos os comentários