Nos primeiros cinco minutos você já descobre quem são os culpados por (quase) toda depressão, tensão muscular, ansiedade e tendência suicida no mundo: os arquitetos e construtores de edifícios. Isso mesmo. Eles criam verdadeiras barreiras humanas, de todas as formas, cores e tamanhos, e isso tudo embaralha e dificulta demais a vida das pessoas.
Em "Medianeras: Buenos Aires na Era do Amor Virtual", filme argentino em cartaz nos cinemas de São Paulo, Martin (Javier Drolas) e Mariana (Pilar López de Ayala) vivem na mesma quadra, em prédios que ficam um em frente ao outro, janela com janela. Mas nunca se veem.
Martin vive sozinho com um cachorro que "herdou" de sua ex-namorada. Só anda a pé, e até tenta arranjar um outro amor marcando encontros pela internet, mas nunca dá certo. "Esses encontros parecem lanches do MC Donald's; na foto, sempre parecem melhor do que ao vivo", diz em um dos trechos.
Mariana também vive isolada desde que rompeu seu relacionamento de três anos. É decoradora de vitrines e, assim como os manequins, se percebe na maioria das vezes "imóvel, fria e silenciosa".
O diretor Gustavo Taretto, que já recebeu diversos prêmios por este seu primeiro longa-metragem (como o de melhor filme e direção, no Festival de Cinema de Gramado deste ano), diz que estamos todos "acostumados" a esse tipo de solidão. "A solidão que sentimos quando estamos rodeados de desconhecidos, a solidão do delivery, da mensagem de texto e do e-mail", diz em entrevista ao Guia.
Abaixo, leia um pouco mais sobre o que Taretto diz sobre "Medianeras" --que é o nome que se dá àquela parte do edifício sem utilidade, aquele bloco que "cede" lugar a anúncios ou que fica largado, todo sujo, como se não existisse. "Como a sujeira que escondemos embaixo do tapete."
Guia Folha - Você acha que o filme é mais otimista ou pessimista?
Gustavo Taretto - É otimista, claramente. Acho que, para que se valorize o otimismo, é preciso começar mostrando a escuridão. Vinicius (de Moraes) disse bem melhor que eu: "Porque o samba é a tristeza que balança, e a tristeza tem sempre uma esperança de um dia não ser mais triste não".
Acha que esse sentimento de solidão é igual para todo mundo? Até para quem não usa a internet?
A partir da identificação que "Medianeras" conseguiu em diversos lugares do mundo, devo dizer que sim. Acho que é uma solidão que não é dramática, é uma solidão a que já estamos acostumados. De todos os dias. Solidão urbana. A solidão que sentimos quando estamos rodeados de desconhecidos. A das cidades em que as pessoas se sentem mais seguras entre quatro paredes. A solidão do delivery. A solidão da mensagem de texto e do e-mail. "Medianeras" não é um filme trágico, porque é contada pelo lado do humor. O ponto de vista é de esperança, porque os personagens se negam a resignar-se ao mundo virtual.
"Medianeras" recebeu muitos prêmios. Você acha que este seu primeiro longa já foi melhor do que você esperava?
É melhor do que eu esperava, mas não pelos prêmios. Mas pelo entusiasmo que desperta nos que veem o filme. Não imaginei que ele iria se conectar desta maneira com as pessoas. Cada exibição, não importa a cidade, é premiada com muitos risos e aplausos.
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