CRÍTICA: 'Visages, Villages' utiliza a fotografia para revelar as mutações no mundo do trabalho  

Cena do documentário 'Visages, Villages', de Agnès Varda e JR
Cena do documentário 'Visages, Villages', de Agnès Varda e JR - Divulgação

VISAGES, VILLAGES (ótimo)
(Visages, Villages)
DIREÇÃO: Agnès Varda e JR.
PRODUÇÃO: França, 2017. 90 min. 10 anos.
Veja salas e horários de exibição.

 

Em plena era do "I love my selfie" e da compulsão por postar imagens, quais sentidos a fotografia pode oferecer além do prazer instantâneo descartável?

A simplicidade do título "Visages, Villages" (faces, vilarejos) não oculta as múltiplas consequências do ato fotográfico, possibilidades que Agnès Varda e JR exploram em perambulações pelos seis lados da França.

A veterana Varda, com 88 anos na época das filmagens, juntou-se a JR, então com 33, para um documentário que, visto de modo ligeiro, parece um diário de viagem.

Além do temperamento aberto e burlesco, os dois realizadores têm em comum a paixão pela fotografia, sem restringi-la à função de captura, mas pensada como ponto de vista sobre o mundo, um modo de revelação e descobertas.

Varda, que se descreve como "catadora", começou a trabalhar como fotógrafa, antes de se tornar cineasta, pioneira da nouvelle vague e ícone do cinema feminista. Seus filmes expandiram as fronteiras entre ficção e documentário e permitiram dar corpo a formas híbridas de expressão audiovisual, como o cinema ensaio.

O trabalho de JR como muralista também não se reduz a um aspecto. Ele, que se define como "artivista urbano", utiliza a fotografia como suporte para criar grandes painéis em espaços públicos, alterando a aparência de fachadas e de lugares como vagões de trem e contêineres, expandindo o conceito de retrato.

O encontro dessas duas forças criativas dispara uma série de situações que recolocam a natureza e as funções das imagens.

A primeira e fundamental, de observação e registro, revela as mutações no mundo do trabalho, expondo os contrastes entre a vida rude de mineiros no passado e a rotina contemporânea de um agricultor que usa tecnologia.

No entanto, Varda e JR logo se desinteressam pelo assunto para se concentrar nas pessoas, no que elas têm para contar. "Cada rosto tem uma história", ela resume.

Na obra de Varda, fotografar e filmar são meios de a visão ir além de si mesma, produzindo uma arte que nasce do acaso dos encontros. As criações de JR, por sua vez, amplificam o que seus retratados têm de mais pessoal, revitalizando a arquitetura desgastada também pelo encontro entre imagens e formas.

Uma doença nos olhos de Varda desdobra-se na mania de JR de jamais tirar os óculos escuros. Os cabelos em duas cores que ela usa ecoa o chapéu que ele nunca tira. Esses aspectos pessoais dos realizadores refletem questões associadas ao modo como vemos e somos vistos.

Seguindo essa lógica de duplicações, "Visages, Villages" levanta o véu que encobre as imagens, mostrando que a superficialidade é de quem as olha sem enxergar.

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